Exclusivo para Assinantes
Opinião

Artigo: É grave alunos gravarem seus professores

Levar o debate educacional para o lugar estéril da guerra cultural é uma visão deturpada do que é a docência

Passou a ser assunto na imprensa, nas casas e nas escolas a defesa — feita por políticos, outras lideranças e formadores de opinião — dos alunos filmarem seus professores em sala de aula. A justificativa é denunciar a doutrinação política ou ideológica.

Já nos posicionamos em outros espaços acerca da liberdade de cátedra e de expressão, além da importância de os alunos serem expostos à diversidade de visões de mundo para formarem suas próprias opiniões e serem formados para a vida em sociedade com respeito e em diálogo com quem pensa diferente: formação para a vida na democracia. O que queremos aqui é argumentar a respeito do impacto positivo de uma boa relação aluno-professor na aprendizagem. Afinal, há no Brasil uma crise urgente e gravíssima de aprendizagem a ser resolvida que, em silêncio, tem impedido a possibilidade de um país mais produtivo, que cresce distribuindo renda, com menos violência e mais oportunidades para todos.

O aumento exponencial das pesquisas em neurociência e seus resultados têm nos ajudado a entender melhor como funcionam o cérebro e a multiplicidade de elementos que afetam a aprendizagem. A partir disso, descobrimos que a aprendizagem mediada pelo professor ocorre quando a relação entre ele e os estudantes é positiva e de confiança. Uma pesquisa de Suzanne Dikker, neurocientista da Universidade de Nova York, mostrou que quanto maior a afinidade dos alunos com seus professores e colegas de classe, maior a sincronia cerebral entre eles e, consequentemente, a atenção, o engajamento durante a aula e, portanto, a aprendizagem. Um ambiente de desconfiança, denúncia e chantagem destrói as boas relações necessárias a esse complexo processo.

A ciência política também tem nos ajudado a encontrar melhores estratégias para uma educação de qualidade. Estudos a respeito do clima escolar e o impacto de reformas educacionais — como o realizado por David K. Cohen, da Universidade Michigan, e Jal D. Mehta, de Harvard — mostram que a confiança dos docentes nas lideranças públicas e o ambiente escolar incidem no sucesso da implementação de políticas na ponta, na escola; ou seja, a suspeição generalizada joga contra a eficiência e a qualidade do ensino.

Diante disso, as lideranças precisam saber que posicionamentos de caráter puramente ideológico, como a defesa de se filmar docentes para denunciá-los, podem ser devastadores para a aprendizagem que precisamos alcançar. Lideranças e gestores educacionais devem apoiar o trabalho conjunto aluno-professor, e a formação, inicial e continuada, para que os docentes dominem a implementação em sala de aula das mais diversas metodologias para garantir o aprendizado de todos os estudantes.

O professor não é mocinho nem vilão, ele é um profissional, o mais importante do país porque é o fator mais determinante para a aprendizagem dos estudantes. Levar o debate educacional para o lugar estéril da guerra cultural é uma visão deturpada do que é a docência. Além disso, é escapista. Para melhorar a atividade dos professores, é necessário um conjunto muito maior e complexo de políticas capazes de tornar a profissão mais atrativa. Entre elas estão garantir condições dignas de trabalho docente, aperfeiçoar a formação inicial no ensino superior e a formação continuada realizada pelas secretarias estaduais e municipais de ensino, levar a sério o estágio probatório, aprimorar os critérios de progressão na carreira, associando-os a fatores que estão diretamente relacionados à melhoria da prática docente. Gestores públicos comprometidos com o avanço da aprendizagem devem abandonar as pautas ideológicas e serem gestores, não acusadores.

O incentivo a um ambiente de alunos contra professores está na contramão da garantia da tão necessária conquista de um patamar muito mais alto de aprendizagem, como mostram as evidências. Quem paga a conta são os próprios alunos, cuja aprendizagem é prejudicada, e o país todo, ao não conseguir avançar na qualidade de ensino.

Priscila Cruz é cofundadora e presidente-executiva do Todos Pela Educação; Ivan Gontijo é professor de Matemática e coordenador de projetos do Todos Pela Educação