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Artigo: Colcha de retalhos ideológicos do MEC gerou mais uma aberração

Como uma decisão que afeta o planejamento educacional de 5.570 municípios pode ser tomada de improviso e sem diálogo com os demais entes federativos?

RIO — O MEC já teve ministros que pouco ou nada entendiam de educação, mas que ao menos montaram uma equipe com experiência na área. Também já passaram pelo posto figuras com conhecimento do setor. Isso não garantiu sucesso, às vezes por falta de competência para a gestão, às vezes pelo azar de estarem no cargo em momentos de turbulência política e econômica.

Nunca se viu, porém, tamanho grau de desorientação e paralisia, ainda mais num governo recém-eleito, em seu primeiro mandato.

O ministro Ricardo Vélez Rodriguez é professor universitário, mas isso não faz dele especialista em gestão educacional. Essa característica poderia ter sido amenizada se tivesse sob seu comando uma equipe coesa e experiente para operar uma máquina tão complexa quanto o Ministério da Educação. Mas, por imposição do governo e por própria vontade, não foram essas as escolhas feitas.

A colcha de retalhos ideológicos em que se transformou o MEC pariu mais uma aberração ao suspender a avaliação da alfabetização, para, logo em seguida, operar novo recuo.

Vélez — indicado por Olavo de Carvalho, mas em disputa com seus discípulos — disse que não foi informado da decisão e demitiu o ex-presidente do Inep, Marcus Vinicius Rodrigues, uma indicação dos militares.

Este, por sua vez, alegou que sua decisão foi respaldada num ofício do Secretário de Alfabetização, Carlos Nadalim, também alinhado a Olavo de Carvalho. Só que Nadalim tampouco informou a então secretária de Educação Básica, Tânia Almeida, que era da ala técnica do ministério e pediu a demissão após a confusão.

O que impressiona nesse caso é como pode ter passado pela cabeça de alguém num alto posto do ministério que uma decisão que afeta o planejamento educacional de 5.570 municípios seja tomada assim, de improviso, sem diálogo com os demais entes federativos e, pior, sem sequer ter sido alinhada internamente.

Em situações normais, não há Hino Nacional, Lava-Jato da Educação ou Escola Sem Partido que segure um ministro no cargo se ele, independentemente de sua linha ideológica, não entregar o básico: um mínimo de planejamento e de competência para tocar as políticas educacionais sob seu comando, em articulação com Estados e municípios.

Já é março de 2019. A educação está à deriva, mas o Presidente deve ter coisas mais importantes para se preocupar, como a discussão se quartéis devem ou não comemorar 1964.

Antônio Gois é colunista de educação do Globo e autor do livro "Quatro Décadas de Gestão Educacional: políticas públicas do MEC em depoimentos de ex-ministros".