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Artigo: Bora voltar para a escola?!

Em um país desigual como o Brasil, manter as escolas públicas fechadas e as crianças fora da sala de aula pode aprofundar nosso fosso social, alerta o virologista Amilcar Tanuri
Alunos assistem aulas presenciais em Manaus (AM), onde retorno foi autorizado Foto: Raphael Alves / Agência O Globo
Alunos assistem aulas presenciais em Manaus (AM), onde retorno foi autorizado Foto: Raphael Alves / Agência O Globo

RIO - A Educação é uma das atividades mais importantes da sociedade, envolvendo direta e indiretamente 30% de toda população de um país. Já estamos no sétimo mês da pandemia da Covid-19 e até agora pouquíssimos municípios brasileiros liberaram a volta às aulas presenciais do ensino fundamental. Este fato contrasta com os países europeus e os EUA onde, em sua maioria, elas retornaram a partir de agosto ou setembro.

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Na Alemanha, foi identificado um surto de transmissão numa escola em Hamburgo, onde 26 alunos e três professores testaram positivo para o vírus, e as autoridades de saúde suspeitam que pelo menos dois estudantes foram infectados por um professor. A sexta e a oitava séries foram postas em quarentena, e as máscaras foram tornadas obrigatórias em todas as salas de aula.

Contudo, o ministro da Educação, Ties Rabe, manteve as escolas abertas. Naquele momento de dúvidas, ele enfatizou que os alunos precisam da orientação e da motivação dos professores, dos colegas e dos amigos. Ainda mais importante, precisam também de locais de estudo e trabalho bem equipados para o desenvolvimento cognitivo e intelectual e o envolvimento colaborativo.

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Num país desigual como o Brasil, manter as escolas públicas fechadas e as crianças fora da sala de aula pode aprofundar nosso fosso social. A escola pública é onde as crianças aprendem a ser cidadãs, têm uma alimentação balanceada  que desonera o orçamento familiar, aprendem noções de higiene pessoal e praticam o convívio social.

Nas camadas mais pobres, a escola é onde os pais podem deixar seus filhos para trabalhar. A falta das escolas está impactando em cheio as famílias de menor renda. Devemos engendrar esforços para o retorno pleno das escolas públicas, com segurança e de forma monitorada.

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Como impedir a propagação do vírus nas escolas

Uma maneira de impedir a propagação da Covid-19 nas escolas é a triagem diária de sintomas na entrada dos estabelecimentos de ensino para identificar funcionários/alunos com suspeitas de infecção. Uma vez identificados, eles devem ser testados para infecção ativa através do teste molecular ou do teste rápido de antígeno.

No entanto, as infecções podem ser clinicamente silenciosas (assintomáticas). Entre 15% e  50% das crianças e de 10% a 30% dos adultos podem não apresentar sintomas da Covid-19 enquanto seu sistema imunológico combate a infecção (portadores assintomáticos) ou tornarem-se infecciosos entre 1 a 3 dias antes do início dos sintomas (portadores pré-sintomáticos). Os testes de diagnóstico atuais não conseguem identificar infecções silenciosas de forma confiável e não são suficientemente rápidos e baratos para fazer um sistema de vigilância baseado em testes em toda a escola.

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A ferramenta mais eficaz para minimizar o risco de infecções nas escolas é, portanto, reabri-las somente quando as taxas na comunidade local estiverem controladas. Países com alto nível de testagem começaram a abrir as escolas, com medidas de segurança rigorosas em vigor, quando menos de 30 a 50 novas infecções foram observadas dentro de sete dias por 100.000 residentes, durante um período de três meses.

A incidência de novos casos semanais na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, é de 13 casos/100.000 habitantes, indicando um risco bem baixo para o retorno às aulas, como quando o retorno foi adotado pela maioria dos países europeus.

Todos os países que abriram as escolas implementaram medidas de mitigação básica, como o distanciamento das cadeiras, as máscaras faciais usadas em corredores (mas não nas salas de aula), higiene das mãos, ambiente ventilado (janelas e portas abertas), e  decisão de alunos e funcionários ficarem em casa quando do surgimento de sintomas sugestivos da Covid-19.

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A doença se espalha através de gotículas contendo o vírus e geradas pela respiração, fala, grito, canto, tosse e espirro de indivíduos infectados. A rápida sedimentação de gotas grandes saídas dos indivíduos infectados fundamenta as recomendações para distanciamento, desinfecção de superfície, ventilação e higiene das mãos.

Já as partículas líquidas menores dispersas como aerossóis permanecem no ar por mais tempo. Sabemos também que é necessário um milhão de partículas virais numa gota de secreção para que se tenha um inóculo infectante.

Além disso, não é só a distância de outra pessoa que determina o risco de transmissão, mas também a duração da exposição. Ações limitando a aglomeração de alunos, evitando atividades como o canto também são extremamente relevantes no controle da transmissão viral. Máscaras reduzem a propagação em gotículas e aerossóis, limitando a liberação e inalação.

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A propagação por gotículas é muito menos provável ao ar livre. Porém, a prática esportiva coletiva que promova contato físico deve ser evitada. Grandes surtos na escola podem ser minimizados através da limitação da transmissão secundária ao menor número possível de pessoas.

Dessa forma, devemos evitar aglomerações de diferentes classes de alunos nos intervalos, mantendo-os relativamente isolados para poder minimizar a transmissão pessoa a pessoa e facilitar o rastreamento do contato em caso de surtos. A detecção precoce de indivíduos infectados por meio de vigilância de sintomas e testes de diagnóstico rápido de antígeno pode limitar medidas de quarentena para debelar surtos na escola. Assim evitaremos ter que fechar as classes ou a escola inteira.

É fundamental a colaboração de todos

Parece razoável estabelecer medidas de controle com a implantação de um programa de testagem intermitente (por teste rápido sorológico) em uma amostragem escolar (uma unidade ou poucas turmas de diferentes faixas etárias) como estudos-piloto, com frequência semanal ou mesmo quinzenal. Assim pode-se estabelecer a evolução nos primeiros meses de retorno e comparar os números obtidos de novos casos com aqueles da população em geral.

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Só assim saberemos o impacto real deste retorno na saúde de alunos e profissionais de ensino, monitorando a eficácia das ações preventivas e garantindo o processo educacional em sua integralidade, com saúde, sensatez e responsabilidade.

Cabe ressaltar que, quanto menor a taxa de infecção na comunidade, menor a necessidade de implantar outras medidas mais rigorosas para a abertura das escolas. Temos que fazer um pacto com a sociedade como um todo. Se as comunidades priorizarem a supressão da disseminação viral em outras reuniões sociais, as crianças poderão ir à escola com menor risco. Voltar às aulas depende da colaboração e participação de todos nós.

*Virologista, chefe do Laboratório de Virologia Molecular do Departamento de Genética da UFRJ

Sociedade 08.10 09h37