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‘Armar professores é uma ideia terrível’, diz autor de livros sobre massacres em escolas

O jornalista Dave Cullen, que escreveu sobre chacinas em Columbine e Parkland, será um dos principais palestrantes do Educação 360 Encontro Internacional

O jornalista Dave Cullen morava perto de Columbine em 1999, quando dois alunos executaram 13 pessoas e se mataram depois
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O jornalista Dave Cullen morava perto de Columbine em 1999, quando dois alunos executaram 13 pessoas e se mataram depois Foto: Divulgação

RIO - Dave Cullen morava perto de Columbine, no estado americano do Colorado, onde 15 pessoas morreram durante um massacre em uma escola de ensino médio, há 20 anos. Desde então, o jornalista se dedica a investigar a motivação desse tipo de crime. Autor do livro “Columbine” (DarkSide Books), de 2009, ele também lançou, este ano, “Parkland: o nascimento de um movimento”, sobre a chacina em uma escola na Flórida, em 2018. Um dos convidados do Educação 360 Encontro Internacional, que acontece dias 16 e 17 deste mês, na Cidade das Artes, na Barra da Tijuca, Cullen vai dar uma palestra antes de um debate que reunirá pais de alunos de colégios brasileiros onde houve massacres: a Escola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano, onde dez pessoas morreram, este ano, e a Escola Municipal Tasso da Silveira, onde 13 pessoas foram mortas, em Realengo, em 2011.

Por que atiradores atacam a escola? O que a instituição representa para eles?

Columbine foi pensado como uma performance, e os outros massacres também são. Raramente, o alvo é uma pessoa específica. Normalmente, os atiradores saem disparando pelos corredores para o país assistir. Eles querem o maior número de espectadores, e a escola é o palco perfeito, deixa os pais aterrorizados. Mas também há o lado simbólico de atacar algo que é central na vida deles, que para eles representa poder.

Qual é o papel da escola na prevenção? É possível treinar professores para identificar sinais de perigo?

Ajuda, mas pouco. O mais importante relatório do FBI deixa claro que a maioria dos sinais de alerta se aplica a muitos estudantes. Em alguns estados foi aprovada recentemente uma lei que suspende o direito de pessoas potencialmente perigosas, que fizeram uma ameaça, de comprar uma arma, o que ajuda a evitar tragédias. O serviço secreto descobriu que 80% dos atiradores contam a uma pessoa próxima sobre o crime, que quase sempre levam meses planejando. Crianças não são boas em manter segredo. Então, se alguém fizer uma ameaça, mesmo em tom de piada, é preciso avisar. Hoje, a maioria dos massacres são descobertos antes de acontecerem. Em termos de saúde mental, é preciso diagnosticar doenças como depressão entre adolescentes. A maioria dos atiradores são depressivos raivosos.

Os atiradores costumam ser do sexo masculino. Violência e socialização de gênero devem ser discutidos na escola?

A imensa maioria de crimes com armas de fogo é praticada por homens, parte de um problema maior que é a forma como homens lidam com sua raiva de forma violenta. É importante que o assunto seja discutido, que meninos possam expressar suas fraquezas. Não abordar isso em sala de aula é ignorar o problema.

Como lidar com a saúde mental dos sobreviventes?

É importante não tentar acelerar o processo de cura. Cada um tem seu ritmo, não adianta outras pessoas dizerem coisas do tipo “siga com sua vida”. Elas não entendem a dimensão do problema. Os sobreviventes odeiam isso. O primeiro aniversário da tragédia é um dos dias mais difíceis. Muitos suicídios de sobreviventes ocorrem nesse período, como aconteceu este ano, após o primeiro aniversário do massacre de Parkland. A maioria dos sobreviventes de Columbine gostaria de ter recebido ajuda psicológica mais cedo.

Em 20 anos, qual foi a história mais marcante que você acompanhou?

Posso citar, por exemplo, Coni Sanders, a filha do único professor morto em Columbine, que morreu salvando alunos. Coni estava no ensino médio e se tornou doutora em psicologia. Ela não se especializou em tratar pessoas traumatizadas como ela, mas, sim, homens que cometem crimes violentos, como estupradores e assassinos. Ela também defende um maior controle sobre armas de fogo.

Para Donald Trump, armar professores pode ajudar. O mesmo foi discutido no Brasil, após o massacre de Suzano. O que acha da ideia?

Não sejam mais uma América. Somos o pior exemplo nesse quesito. Na Austrália, aconteceu o oposto: depois do massacre de Port Arthur (com 35 mortos, em 1996), o país reformou suas leis de controle de armas e, desde então, não houve mais assassinatos em massa. O autor do massacre na Nova Zelândia, no início deste ano (51 mortos), era um australiano que conseguiu as armas na Nova Zelândia. Dar armas nas mãos de professores é uma ideia terrível. Estudos comprovam que as chances de uma pessoa morrer aumentam muito quando ela compra uma arma, mesmo que para defesa pessoal.

Alguns políticos preferem culpar videogames e a saúde mental dos criminosos, e não armas. Faz sentido?

Não. Proporcionalmente, pessoas consideradas sãs cometem mais assassinatos do que aquelas com algum tipo de transtorno mental. Não repitam nossos erros, somos o último povo que vocês deveriam emular.

Como surgiu o movimento estudantil contra as armas após o tiroteio de Parkland, em fevereiro do ano passado?

Os estudantes iniciaram o movimento. A mensagem era: “América, vocês falharam com suas crianças e estão deixando a gente morrer”. É verdade e é vergonhoso. Eles nem eram nascidos na época de Columbine. Em apenas cinco semanas, organizaram a marcha pela vida em Washington, um dos maiores protestos da História dos EUA.

O engajamento de estudantes nos debates que afetam o dia a dia na escola pode ajudar a evitar possíveis massacres?

O movimento repercutiu nas últimas eleições do meio de mandato. O objetivo era fazer com que os jovens fossem às urnas, e conseguiram. O número de votantes de até 30 anos aumentou, o que é surpreendente. Os jovens não costumam votar aqui. É empoderador para os jovens desesperançados perceber que podem fazer uma diferença, que a voz deles importa.