Arcabouço fiscal depende do aumento na arrecadação para cumprir metas e equilibrar contas públicas

Regra proposta ontem pelo ministro da Fazenda vai exigir forte aumento de receita, mas Haddad diz que fará isso sem elevar ou criar impostos

Por Manoel Ventura — Brasília


Fernando Haddad detalha o novo arcabouço fiscal Divulgação/Diogo Zacarias / MF

Apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, junto com outros integrantes da equipe econômica, o novo arcabouço fiscal do país vai depender de um expressivo aumento da arrecadação para que o governo atinja suas metas. Definida por Haddad como um plano de voo, a proposta prevê redução do déficit este ano, contas no zero a zero no próximo e superávits a partir de 2025.

O modelo pressupõe que as despesas sempre crescerão acima da inflação, embora existam limites mínimos e máximos. Dessa forma, a receita do governo precisará necessariamente subir. Para isso, o governo conta com outras frentes: a reforma tributária e a apresentação na próxima semana de um pacote para arrecadar de R$ 100 bilhões a R$ 150 bilhões, até o fim do ano, de setores pouco taxados ou que não são regulados, além do crescimento da economia.

Haddad comentou questionamentos de economistas que, ao tomarem conhecimento dos primeiros detalhes, avaliaram que ela exige aumento da carga tributária. O ministro descartou a criação de tributos, como a CPMF, ou aumento de alíquotas existentes para o contribuinte. Em 2022, a carga total atingiu o equivalente a 33,71% do PIB.

Investimento garantido

Segundo Haddad, há grandes sistemas que estão à margem do Fisco, citando a taxação das big techs, em discussão em vários países, e a tributação de apostas eletrônicas. Ele também mencionou que há setores demasiadamente favorecidos por incentivos que não foram revistos ou não tiveram controle de resultados.

— Vamos fechar os ralos do patrimonialismo brasileiro e acabar com uma série de abusos que foram cometidos contra o Estado brasileiro — disse. — Se quem não paga imposto passar a pagar, todos nós vamos pagar menos juros. É isso que vai acontecer.

Arcabouço fiscal - Simone Tebet e Fernando Haddad detalham novas regras fiscais do governo Lula — Foto: Diogo Zacarias / MF

Discutida desde a transição, a regra fiscal será fundamental para o governo Lula. É ela que irá garantir que as promessas de campanha do petista, como aumento de gastos sociais e de investimentos, sejam cumpridas.

Ao mesmo tempo, o governo vê na regra a forma de atrair recursos privados e entregar um discurso de responsabilidade fiscal ao fim do mandato, em 2026, quando se pretende estabilizar a dívida.

Ao lado da ministra do Planejamento, Simone Tebet, Haddad disse que o arcabouço tem 100% de consenso no governo. A regra foi apresentada depois de divergências internas, especialmente com relação ao espaço para investimentos. No fim, acabou prevalecendo a visão de Haddad.

A regra prevê metas de resultado primário (receitas menos despesas, descontando o pagamento de juros da dívida) que serão cumpridas se ficarem dentro de um intervalo de até 0,25 ponto percentual para cima ou para baixo.

Por exemplo: em 2025, a previsão é que o país tenha superávit de 0,5% do PIB. Se o resultado ficar entre 0,25% do PIB e 0,75% do PIB, a meta será alcançada.

Além disso, a regra limita o crescimento das despesas a até 70% da alta das receitas. E também foram criados parâmetros, limites mínimos e máximos, para os gastos, independentemente da arrecadação. As despesas sempre crescerão entre 0,6% e 2,5% ao ano acima da inflação.

Por exemplo: se a arrecadação subir 5%, considerando a regra de 70%, as despesas poderiam crescer 3,5%. Mas esse percentual ultrapassa o limite máximo. Neste caso, elas aumentariam 2,5%.

Se a receita crescer menos que 0,6%, estará garantido um aumento de gastos de 0,6%.

Um aspecto importante da proposta é que será considerada a arrecadação com base na receita nos 12 meses anteriores ao envio do Orçamento ao Congresso, em agosto. Ou seja, a receita apurada será entre julho de um ano e junho de outro.

Isso evita que parlamentares tentem inflar receitas durante as discussões da proposta para, consequentemente, elevar os gastos.

— Isso aqui (novo arcabouço) não é uma bala de prata que resolve tudo. É o começo de longa jornada. É um plano de voo de como vamos enfrentar o problema da economia brasileira — disse o ministro.

A nova regra privilegia investimentos, que passarão a ter um piso pela primeira vez. Esse mínimo será de R$ 75 bilhões, que é o valor orçado para este ano, mais a inflação. O mínimo garante que o ajuste não será feito cortando investimentos, disse o secretário do Tesouro, Rogério Ceron.

Exceções à regra

Gastos do Fundeb (fundo de financiamento da educação básica) e com a ajuda financeira para estados e municípios bancarem o piso da enfermagem ficarão fora da regra. Além disso, a proposta abre brecha para que os gastos com saúde, educação e emendas parlamentares cresçam mais que outras despesas.

Isso ocorre porque essas três despesas estão atreladas diretamente às receitas, sem qualquer limitador — assim, os outros gastos podem sem reduzidos para cumprir o limite global.

Pela credibilidade que pode ser oferecida com a regra, o governo planeja retomar o grau de investimento (selo de bom pagador) em 2026 e iniciar uma economia com pagamentos de juros até atingir uma folga de R$ 360 bilhões ao ano em 2031.

— A regra é um colchão na fase boa para poder usar na fase ruim e não deixar que o Estado se desorganize — disse Haddad.

Mais recente Próxima ICMS único vai encarecer gasolina e etanol e elevar inflação