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Após reforma, professora de história troca ensino médio por fundamental

Medo de renda ser impactada com reforma do novo ensino médio foi um dos motivos para professora Keilla trocar etapa escolar - Divulgação
Medo de renda ser impactada com reforma do novo ensino médio foi um dos motivos para professora Keilla trocar etapa escolar Imagem: Divulgação

Do UOL, em São Paulo

29/01/2023 04h00

As mudanças do novo ensino médio, aprovadas em 2017 durante o governo de Michel Temer (MDB), são classificadas como "um erro" pela Keilla Vila Flor, professora de história no Distrito Federal.

No ano passado, Keilla trocou suas aulas da última etapa da educação básica para turmas do fundamental (6º ao 9º ano). "Fiquei com medo de chegar o momento em que todas as séries do ensino médio já estariam na reforma [que ficará completa em 2024] e a minha renda seria afetada por isso. Decidi mudar de segmento antes disso", conta a professora.

Nas redes sociais do novo ministro da Educação, Camilo Santana (PT), há uma série de pedidos de revogação do modelo. O UOL conversou com professores e especialistas sobre as mudanças.

À reportagem, o MEC (Ministério da Educação) disse que a nova equipe tem trabalhado para construir um "grande projeto pela qualidade da educação básica, com base no diálogo e cooperação entre os entes federativos e com representantes do setor". O plano deverá ser lançado no próximo mês.

É um debate que vamos procurar fazer com muita delicadeza."
Camilo Santana, em coletiva em janeiro

Quais são as mudanças da reforma? Entre as principais, está o aumento na carga horária de 800 para mil horas no ano.

O novo ensino médio também prevê a implantação dos chamados itinerários formativos —uma parte do currículo que passa a ser escolhida pelos estudantes, com disciplinas eletivas que variam de acordo com a escola e o Estado, como ativismo digital e empreendedorismo.

A ideia é que as mudanças tornem os últimos anos de ensino mais atrativos —em 2019, 11,8% dos jovens entre 15 e 17 anos estavam fora da escola nessa faixa etária. Até o início deste ano, o MEC investiu R$ 2,9 bilhões na reforma.

Governo federal precisa investir. Com alterações na carga horária e mais disciplinas, há um consenso: o ensino médio precisa de mais investimento.

Se isso ocorrer, a reforma deve trazer bons resultados, diz João Paulo Cêpa, gerente de articulação e advocacy do Movimento pela Base. "O novo ensino médio bem implementado vai gerar oportunidades e não desigualdades. Precisamos olhar para o que já foi investido, melhorar os caminhos", afirma. "Fazer isso é mais produtivo do que voltar para trás."

De acordo com ele, a implementação das mudanças é possível com:

  • apoio técnico e financeiro;
  • respeitando as particularidades de cada Estado;
  • monitoramento do MEC.

Desigualdades sociais e educacionais. Para o professor e pesquisador Fernando Cássio, da UFABC, a reforma amplia as desigualdades entre alunos. Quem estuda em escola particular, por exemplo, podem ter mais opções de itinerários formativos.

Ele é um dos autores do estudo da Repu (Rede Escola Pública e Universidade), divulgado ano passado, que indicou falta de professores em 17% das aulas do ensino médio no estado de São Paulo. A ausência de educadores foi constatada nos itinerários formativos —depois da repercussão, o governo fez novas contratações.

Cássio afirma que "a ideia de flexibilidade e liberdade de escolha do aluno" não acontece na prática. Para Keilla, a reforma fomenta uma "ilusão de liberdade fajuta".

A chegada dos itinerários formativos é a principal crítica de quem é contra o modelo. "É impossível reformar a reforma e por isso a revogação desse modelo é o melhor caminho", defende o pesquisador.

Os mais pobres estão perdendo conteúdo. Como sustenta um discurso de acesso às universidades com um ensino médio pior e simplificado."
Fernando Cássio, pesquisador e professor da UFABC

Professores temem pouca profundidade. Keilla alega que, nas grades escolares que conheceu, certas disciplinas sofrem uma redução de carga gradativamente a partir da 1ª série. "Geografia, história, sociologia, filosofia e química deixam de existir e são substituídas por itinerários e eletivas que trabalhem os conteúdos de maneira ampla."

O ponto crítico, segundo a docente, é que dificilmente as escolas conseguem colocar em uma mesma sala professores de áreas diferentes para enriquecer o debate.

Um único professor precisa demonstrar profundo conhecimento sobre áreas que não são suas, o que é um claro exemplo de precarização do trabalho como docente e desvalorização da formação acadêmica dos profissionais da educação."
Keilla Vila Flor, professora de história

Dalva Aparecida Garcia é professora de filosofia em São Paulo. Agora, vai dar aula em 14 itinerários formativos para completar a carga horária e diz não ter formação necessária para todos eles. "Quem mais sofre é o aluno que vai sair sem a formação técnica e social", avalia a professora.