Política

Após 'contragolpe' de Olavo, ministro da Educação é pressionado a mostrar 'a que veio'

Cúpula do governo se incomoda com falta de propostas, enquanto autoridade de Vélez passa por questionamentos
O ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez Foto: Marcelo Casal Jr / Agência Brasil
O ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez Foto: Marcelo Casal Jr / Agência Brasil

BRASÍLIA - Cobrado pela falta de propostas consistentes, com o governo entrando no terceiro mês de gestão, e desgastado por declarações e episódios polêmicos, a exemplo da carta enviada a escolas com slogan de campanha, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez , resolveu fazer exonerações e deslocamentos de cargos desde a semana passada na pasta. Convencido de que o núcleo mais "ideológico", que inclui ex-alunos do escritor Olavo de Carvalho , espécie de guru bolsonarista, deveria ser removido de postos-chave do ministério para destravar o andamento de projetos, o colombiano não contava com o "contragolpe".

É assim que vem sendo chamada a reação do próprio Olavo e de seus discípulos na pasta ao movimento, que já levou à queda do ex-assessor Ricardo Roquetti , coronel da Aeronáutica, e do ex-secretário-executivo Luiz Antônio Tozi . O cenário ainda é de incerteza, com a autoridade de Vélez questionada dentro e fora da pasta. No Palácio do Planalto, a avaliação do entorno do presidente Jair Bolsonaro é de que Vélez ainda "não mostrou a que veio".

Alvo inicial do ministro, o grupo formado pelos chamados "ideólogos" no MEC tem não só os ex-alunos de cursos online de Olavo, que se autodenominam "olavetes", mas outros comissionados, entre os quais militares que nunca fizeram aula com o escritor mas simpatizam com suas ideias. Ao saber que haveria demissões e rebaixamentos de seus seguidores por decisão do ministro, Olavo expôs a disputa de poder no MEC nas redes sociais, com uma mensagem em que aconselhou os pupilos a deixarem o governo, na semana passada.

Apoiado por Bolsonaro , ao menos no primeiro momento, Vélez até conseguiu exonerar parte do grupo considerado nocivo às ações da pasta. Mas não passou incólume às pressões de Olavo de Carvalho, cuja influência sobre o presidente é inequívoca. Após a demissão de Roquetti, pregada em redes sociais pelo grupo e depois exigida por Bolsonaro, ontem foi a vez de Tozi. Menos de 24 horas após Olavo pedir a cabeça do então secretário-executivo, Vélez anunciou a saída. Tozi e Roquetti são apontados como os aliados do ministro na operação de "expurgo" dos "olavetes" do MEC, como um deles, Silvio Grimaldo, exonerado na segunda-feira do cargo de assessor, classificou em texto na internet.

A saída de Tozi enfraquece o grupo tido como "técnico" nos bastidores da pasta. A disputa atual de poder envolve esse núcleo; os chamados "ideólogos", que abarcam ex-alunos de Olavo e outros admiradores do escritor; e os militares. Há ainda os ex-alunos do próprio Vélez, que ocupam três das seis secretarias do MEC e já se consolidam como uma ala importante dentro da pasta. Eles teriam se incomodado com as trapalhadas em que o ministro se meteu desde que assumiu, supostamente por influência do núcleo ideológico alocado na pasta.

A relação é de bastante proximidade entre Vélez e seus ex-alunos. Dois deles foram levados ao Planalto nesta segunda-feira, onde o ministro se reuniu com Bolsonaro para tratar da crise. A operação de "arrumação da casa", com a retirada dos "ideólogos", acabou bagunçando ainda mais a rotina no MEC. Incomodados com a subordinação de Vélez a Olavo de Carvalho, intermediada por Bolsonaro, servidores estão temerosos em assinar documentos e até mesmo tocar projetos. Firmar, ainda que verbalmente, qualquer compromisso com os grupos ligados ao MEC, como secretários de educação ou reitores de universidades, passou a ser um dilema. Não há segurança para trabalhar, relata um funcionário.

O envio da desastrada carta a escolas, com slogan de campanha e pedido de filmagem das crianças cantando o hino nacional, é exemplo da troca de acusações entre os diferentes grupos que disputam espaço dentro do MEC. Enquanto "olavetes" culpam os militares pelo episódio, em especial o coronel Roquetti, integrantes da pasta garantem que foram os discípulos do escritor que conduziram o projeto da carta e ainda sugeriram a Vélez usar uma rubrica para que não circulasse sua assinatura oficial. A ideia inicial teria partido de uma sugestão do Planalto sobre alguma ação do MEC de valorização de símbolos pátrios, sem especificar que tipo de medida, e foi executada de forma reservada pelo gabinete do ministro.

Interlocutores do alto escalão da pasta dizem que os "ideólogos" afastados não se empenhavam para desenvolver as tarefas e demonstravam pouca habilidade com a gestão pública. À falta de experiência teriam se somado atitudes de desconfiança de integrantes desse grupo com o restante da equipe. Conversas sobre "contrainteligência" e outros temas alheios à rotina da pasta não eram incomuns, segundo relatos.

Em meio à crise externada pelas redes sociais, a chamada "Lava-Jato da Educação", anunciada por Vélez em fevereiro ao assinar um "protocolo de intenções" com outros ministérios para combate à corrupção, foi apontada como obra dos "olavetes" em mensagens deles próprios e de Olavo de Carvalho. O grupo se colocou como pai da ideia e sugeriu que o afastamento deles do MEC seria para enfraquecer a iniciativa.

Sem citar nomes, uma nota oficial do MEC de segunda-feira e uma mensagem nas redes sociais de Ricardo Vélez Rodríguez nesta terça-feira foram escritas sob medida para tentar desvincular a iniciativa de qualquer grupo, dizendo se tratar de um projeto interministerial. "Estamos 100% alinhados com o Planalto e agora mais do que nunca focados na real mudança da educação no país e sempre ouvindo a voz de todos vocês. Seguiremos com a Lava Jato da Educação. #LavaJatoMEC", escreveu o ministro, aproveitando ainda para debelar os rumores de que estaria prestes a cair.

Apesar de algumas baixas nos últimos dias, de ex-alunos e simpatizantes, ainda há seguidores de Olavo de Carvalho no ministério. Murilo Resende, economista que ficaria no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Nacionais Anísio Teixeira (Inep) para cuidar do Enem, mas acabou sendo alocado no MEC, é um deles. Mesmo fora da autarquia, é dito na pasta que ele atuará em mudanças no Enem. Conforme revelou o GLOBO, o Inep planeja instalar uma comissão para vetar questões do Enem consideradas com viés ideológico de esquerda. Murilo é um dos "olavetes" com influência no governo.