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Aplicação do Enem sem intercorrências dá fôlego a presidente do Inep

Servidores temem retaliação de Danilo Dupas, acusado de assédio moral e censura; Conteúdo da prova desagradou apoiadores próximos ao núcleo de Bolsonaro
Danilo Dupas Ribeiro, novo presidente do Inep Foto: Divulgação/MEC
Danilo Dupas Ribeiro, novo presidente do Inep Foto: Divulgação/MEC

BRASÍLIA—   Apesar do caos que se instalou no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) nas últimas semanas, a visão de fontes ligadas ao Ministério da Educação (MEC) é de que Danilo Dupas, presidente do órgão, deve continuar à frente da autarquia por ora. A percepção é de que a temperatura baixou após a aplicação do Enem. No Inep, no entanto, o clima de contrariedade em relação a Dupas continua.

Há expectativa de que possa haver algum tipo de retaliação por parte da Presidência do órgão após a finalização do Enem, que terá sua segunda aplicação no próximo domingo. Desde o primeiro contato negado pelos servidores há cerca de duas semanas, Dupas não tentou agendar nova reunião com os funcionários.

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O conteúdo da prova com questões com temas incômodos ao Planalto, mesmo após o presidente afirmar que o Enem estava ficando "com a cara do governo", gerou irritação em apoiadores próximos ao núcleo de Bolsonaro. Com itens que trouxeram texto de Friedrich Engels, autor do Manifesto Comunista junto com Karl Marx; perguntas sobre minorias e trechos de canções como "Admirável gado novo", a prova causou reação em parte da base bolsonarista

Nas últimas semanas o Inep mergulhou na maior crise de sua história após um pedido coletivo de exoneração de 37 servidores que ocupam cargos de coordenação. Os funcionários denunciam Dupas por assédio moral, censura e má conduta à frente do órgão. Ao longo dos dias, os técnicos também denunciaram tentativas de intervenção no conteúdo do Enem.

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Apesar da provável permanência de Dupas, a avaliação é que o movimento dos servidores foi importante para colocar os riscos ao funcionamento do Inep no radar e garantir que haja resistência da sociedade a medidas estudadas pela presidência do órgão, como a privatização do Banco Nacional de Itens (BNI), usado para compor o Enem.  A expectativa é que o curso das investigações que conduzidas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) após as denúncias dos servidores aumentem novamente a fervura de Dupas.

Na semana passada, o ministro do TCU Walton Alencar negou um pedido para afastar o presidente do Inep do cargo, mas recomendou que a área técnica do tribunal apure as denúncias contra Dupas. Em relação ao Enem, o ministro citou como focos de suspeitas a revisão das questões sem respaldo técnico e pedagógico, possível violação ao sigilo das provas e eventual atuação das autoridades no processo. Alencar apontou ainda a necessidade de apuração do impacto do pedido coletivo de exoneração dos servidores no Inep.

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A insatisfação com Danilo Dupas não se restringe apenas à oposição e aos servidores do Inep. Com boa interlocução com o ministro da Educação, Milton Ribeiro, a presidente da Comissão de Educação, deputada professora Dorinha (DEM), disse que se espantou com o depoimento de Dupas no início de novembro e atribuiu à sua postura a crise que se instalou no Inep. Ou melhor, à sua inabilidade em dar explicações aos parlamentares.

— Parecia que ele estava alterado. Não conseguia responder sem olhar para o notebook — disse ela, que depois articulou a vinda de Ribeiro  à Câmara.

Durante o depoimento na comissão, há cerca de duas semanas, Dupas foi criticado pela deputada Paula Belmonte (Cidadania-DF), além dos parlamentares da oposição. E a tropa de choque do governo não apareceu para defendê-lo, o que foi interpretado como uma falta de respaldo ao titular do Inep.

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Da sua cota pessoal de indicações, Ribeiro fez questão de frisar que Dupas seria mantido em sua gestão. Para dirimir a resistência entre os parlamentares, sobretudo da base aliada, o ministro se reuniu com o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), um dia antes de ele  falar na comissão. No encontro, traçaram a estratégia de blindagem ao ministério. A oposição defende que Dupas seja demitido após a realização do Enem, que acaba no dia 28.