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Jeferson Tenório

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Apesar de hostil, escola é espaço de resistência afetiva

Policiais em frente à escola estadual Professora Helena Kolody, em Cambé (PR), após ataque a tiros - Silvano Brito
Policiais em frente à escola estadual Professora Helena Kolody, em Cambé (PR), após ataque a tiros Imagem: Silvano Brito

Colunista do UOL

20/06/2023 14h05

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Com mais um ataque violento, desta vez no Colégio Estadual Professora Helena Kolody, em Cambé, no Paraná, entramos numa recorrência assustadora de atentados nas escolas brasileiras, que resultaram na morte de estudantes e educadores, nos últimos meses. Um homem de 21 anos foi preso como suspeito de planejar o ataque.

A escola é, por definição, um lugar hostil para todos que fazem parte dela. O nascimento, na era moderna, dessa instituição que se propõe a formar cidadãos para atuar na sociedade carrega falhas históricas que permitem transformar um espaço de afetividade num ambiente de sofrimento.

Bullying, humilhações, isolamento e competividade fazem parte do cotidiano escolar. No entanto, essas violências só são reflexos de uma sociedade excludente e desigual. Obviamente, esse diagnóstico já é sabido por grande parte de pesquisadores e estudiosos. Nosso trabalho, como sociedade, é o de tornar a escola um espaço mais acolhedor e ético, ainda que o ambiente em torno dessas escolas seja baseado em desigualdades.

Certamente esse trabalho não pode ser colocado apenas na conta dos profissionais da educação, que já fazem o que podem diante de tanta precariedade e descaso histórico. Tornar o ambiente escolar mais acolhedor é um compromisso de toda a sociedade e não apenas dos professores. A mudança é, antes de tudo, um compromisso de Estado.

Sempre que vejo tentativas de mudar a estrutura de ensino com uma grande reforma fico apreensivo, caso, por exemplo, do fracassado projeto do "novo ensino médio". Porque, quando se trata do ensino, sobretudo do ensino público no Brasil, nada é simples. Nossas realidades são complexas demais para soluções fáceis.

A educação brasileira sempre caminhou entre avanços e retrocessos, e agora estamos pagando uma conta alta por isso: a perda de vidas. No entanto, creio que, nos últimos 4 anos de governo Bolsonaro, houve um agravamento desse descaso em todos as esferas da educação, tanto no nível das cidades quanto no federal. Falta de verbas, ataques do ex-presidente às instituições, e assim vai.

Aliada a isso, a construção do discurso de ódio e armamentista autorizou atitudes violentas, mais do que isso, naturalizou a violência e tornou ainda mais difícil encontrar saídas para uma escola que coloque em prática conceitos basilares de uma boa educação: afetividade e ética.

Não é por acaso que um dos personagens escolhidos para serem atacados pela extrema direita tenha sido o educador brasileiro Paulo Freire, justamente porque Freire traz a "amorosidade" como um dos conceitos mais importantes de sua teoria. Ou seja, um conceito que pressupõe uma relação de escuta, de atenção e de respeito ao próximo, pois, nessa troca de ensino-aprendizagem, há uma relação horizontal, baseada no dialogo e não na imposição de regras e autoritarismo.

O método freiriano confronta a lógica capitalista de exploração e aniquilamento de quem não se encaixa no mercado. Nesse sentido, e escola ainda é, apesar de toda a violência, esse espaço de resistência afetiva e ética. Um espaço que, mesmo sem muitos recursos estruturais, ainda segue, junto com seus profissionais, acreditando que pode mudar alguma coisa.