Por Cristine Gallisa, RBS TV


Especialista dá dicas para evitar a evasão escolar no RS

Especialista dá dicas para evitar a evasão escolar no RS

Eles estão no terceiro ano do ensino médio, mas é como se estivessem parados em 2019. Jovens que ingressaram este ano na última etapa da educação básica sabem menos do que deveriam saber em português e matemática.

É o que aponta um estudo conduzido pelo Instituto Unibanco, que avalia os prejuízos das escolas fechadas para os jovens desta faixa etária.

Pela escala do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), os estudantes precisam acumular, nos três anos do ensino médio, o equivalente a 20 pontos em língua portuguesa e 15 em matemática.

Com a pandemia, a queda já é de 9 pontos em português e, na matemática, a aprendizagem caiu pela metade. E pode ser ainda pior, caso nenhuma medida seja adotada para reverter as perdas de aprendizagem acumuladas na pandemia.

"Nunca vivemos nada parecido na escola brasileira. Terá sido uma perda sem nenhuma referência, e nós temos indicadores confiáveis há 20 anos na educação. Se acontecer em 2021 o que já aconteceu em 2020, será, sem dúvida, a maior perda de aprendizagem de toda a nossa história e será muito difícil de ser compensada. Esses jovens terão deixado de acumular o conhecimento que seria para todo o ensino médio", alerta Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco.

Henriques classifica o impacto da pandemia como um "apagão educacional" no Brasil.

"Os governos estaduais e municipais fizeram esforços na direção correta, mas insuficientes diante do tamanho da crise que a gente viveu. E essa crise gerou um apagão educacional que faz com que o país e a sociedade como um todo do ponto de vista educacional saia desse período de joelhos", lamenta.

Aulas na rede estadual de ensino do RS — Foto: Itamar Aguiar / Palácio Piratini

Esforço a mais

Para muitos desses jovens, é preciso driblar as limitações trazidas pela pandemia e fazer um esforço extra para estudar, justamente em um momento decisivo para o futuro profissional.

A estudante Taiany Lopes, de 17 anos, está no terceiro ano de uma escola de Gravataí, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Este ano ela decidiu estudar por conta própria, em uma plataforma de conteúdo online.

Foi o jeito que encontrou de se preparar melhor para disputar uma vaga em uma faculdade de fisioterapia. É que, para ela, nas aulas online da escola, muita coisa ficou para trás.

"A pandemia teve esse ponto negativo, porque faltou bastante conteúdo. Eu comecei, em fevereiro, a usar essa outra plataforma de estudos e é bem legal. É bem puxado, porque tem prazos, simulações, mas eu precisava do suporte que só a escola não seria suficiente para conseguir tirar uma boa nota no vestibular", conta Taiany.

Especialistas avaliam perdas no ensino médio do RS com a pandemia

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Improviso virou regra

Só que nem todos os que frequentam escola pública têm essas mesmas condições. Dentro de uma mesma rede de ensino, há extremos. Há alunos que conseguem engajamento nas plataformas e outros que nunca conseguiram acompanhar o conteúdo.

Estudantes do sexo masculino, negros de famílias com baixa renda e baixa escolaridade são os mais prejudicados. Quem está do outro lado da tela, como o professor Alexandre Klein, percebe as diferenças.

"Eu atingia 85% dos alunos. Ainda atinjo, mas esses 85% não estão aprendendo 100%. A gente não consegue atingir os 100%. Infelizmente a gente perdeu alguns no caminho, e tem aqueles que ainda estão matriculados, e a gente não consegue buscar", desabafa.

Klein é professor de matemática. Ele dá aulas em duas escolas estaduais e em uma escola particular, em Poço das Antas, no Vale do Taquari.

Quando tudo parou, em março do ano passado, o professor teve que improvisar. Usou espetos de churrasco e até rolos de papel higiênico para criar um tripé que ajudasse a sustentar o celular enquanto transmitia as explicações para quem estava em casa.

Agora, de volta ao presencial, segue transmitindo a aula online para os que ainda continuam em casa.

"A gente, na escola aqui, já teve índices muito altos em provas externas, e agora eu sei que não vão acontecer. Talvez a gente ainda fique acima da média, mas não é uma média boa. Eu fico sentido, por não ter conseguido, e são só três anos de ensino médio. Como a gente vai fazer se não deu para estar com os alunos? É muito triste isso. A gente tem alunos que mudaram de cidade e não sabemos se estão estudando. Não tem mais contato. É difícil. Acho que uma geração inteira se perdeu. Não foi só no ano passado, não foi só este ano. Vai ser o ano que vem também", lamenta.

Reflexos no mercado de trabalho

Os reflexos dessa perda de aprendizagem são econômicos e sociais, e podem impactar todo o futuro dessa geração. Esses jovens vão ter menos espaço na disputa pelos melhores postos de trabalho, como aponta o estudo do Instituto Unibanco.

Os que terminam o ensino médio este ano podem ter uma perda de até R$ 40 mil da renda que conseguiriam acumular ao longo da vida profissional, estimada em R$ 430 mil.

Mas ainda dá tempo de diminuir o tamanho desse prejuízo. Para isso, os especialistas apontam caminhos. É preciso apostar no ensino híbrido, usar a internet como complemento as aulas presenciais, dobrar o engajamento dos estudantes no remoto, com ações para aceleração da aprendizagem, e foco naqueles conteúdos que são mais importantes.

Se tudo isso for feito ainda neste segundo semestre, daria para evitar até 40% das perdas nesses dois anos letivos, aponta o estudo.

"Temos que ter estratégias pedagógicas para recuperação e aceleração da aprendizagem. Temos que tratar o segundo semestre de 2021 com a intensidade equivalente a um ano ou mais que um ano para poder compensar perdas e, para os estudantes que seguem, saber que essa compensação não se contém só no segundo semestre de 2021. Estamos alertar em 2022, 2023 para compensar gradualmente as perdas nesse período", destaca o superintendente.

4º ano do ensino médio?

A Secretaria Estadual da Educação (Seduc) se prepara para colocar em prática algumas dessas estratégias. No caso do ensino médio, uma das novidades é a oferta de um quarto ano para os estudantes.

Não vai ser obrigatório, mas uma chance a mais para complementar o conteúdos e disputar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

"Essa é a grande chance que eles têm de entrar no ensino superior e mudar a qualidade do futuro. A ideia do quarto ano é opcional, e para os alunos que estão no terceiro e que acham que tiveram muitas perdas, não se sentem preparados nem para o ensino superior nem para o trabalho", afirma a Secretária Estadual da Educação, Raquel Teixeira.

Na rede estadual, as aulas presenciais retornaram na semana passada. E, a partir do dia 23 de agosto, a Seduc prevê aumento de carga horária, para todas as séries, do fundamental ao médio.

Vão ser duas horas por semana a mais em português e três horas a mais em matemática. A ideia é desenvolver um programa de aceleração de aprendizagem.

"A gente tem o currículo de 2020 e o currículo de 2021. Não adiante simplesmente pegar, daqui para frente, e dar o que estava previsto. Se ele não sabe o que ficou para trás, ele não vai aprender o que vem pela frente. Temos que olhar os dois anos de currículo, otimizar o currículo ou flexibilizar tecnicamente. Não vai dar para dar tudo, e algumas coisas no currículo são dispensáveis. Temos que ter tecnicamente o que é dispensável e o que é essencial. É um apoio técnico que estamos dando às redes para essa aceleração", explica Raquel.

A pandemia acelerou o surgimento de uma nova escola. Ela ainda ganha forma, mas certamente não será mais a mesma que fechou as portas em março de 2020.

Entre os especialistas, o consenso é que as plataformas online vieram para ficar, como forma também de ajudar na recuperação das aprendizagens perdidas.

"Nós podemos fazer dessa transição uma oportunidade, em que o ensino híbrido e não só o remoto, esse equilíbrio entre o presencial e à distância, nos permita acelerar todos os processos de aprendizagem, dado que não vamos voltar para 2019. E que 2022 seja melhor do que teria sido o período anterior, que a gente consiga criar as virtudes de ter um bom presencial com a distância que engaje os alunos, que dá mais sentido, que faz as aulas serem mais dinâmicas, que produzam metodologias, que tenha mais dedicação dos estudantes. Mas, para fazer isso, temos que resolver o problema da conectividade. É possível, projetando a médio prazo, que o ensino híbrido nos dê mais instrumentos para navegar na educação pública de qualidade", sugere Henriques.

Vídeos: RBS Notícias

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