Rio Reage Rio

Veja como foi o debate 'Educação e juventude', da Semana Rio 2020

Especialistas tratam de questões como protagonismo juvenil, o papel da escola e os riscos a que adolescentes estão expostos; a partir deste e de outros cinco encontros, uma lista com as principais propostas será enviada aos candidatos à prefeitura da cidade
Jovens na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro: como garantir seu protagonismo é um dos temas em debate na Semana Rio 2020 Foto: Ana Branco / Agência O GLOBO
Jovens na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro: como garantir seu protagonismo é um dos temas em debate na Semana Rio 2020 Foto: Ana Branco / Agência O GLOBO

O futuro do Brasil está ameaçado enquanto a escolaridade de crianças e jovens não for prioridade no país.

Essa é a avaliação dos debatedores que participaram nesta terça-feira da segunda live da “Semana Rio 2020 — Um seminário Reage, Rio!”.  O tema foi Educação e Juventude — Como garantir o protagonismo juvenil .  Até o dia 18 de setembro estarão em pauta assuntos urgentes para a cidade.

Participaram do debate Beatriz Pantaleão (Fundação Gol de Letra), Edu Carvalho (jornalista), Murilo Duarte (canal Favelado Investidor), Sérgio Guimarães Ferreira (economista), Teca Pontual (especialista em política educacional) e Wilson Risolia (Fundação Roberto Marinho). A mediação foi de Josy Fischberg, jornalista do GLOBO.

Veja como foi o debate no vídeo abaixo:

O evento é uma realização dos jornais O GLOBO e Extra, Iets e Movimento Rio 2020, com apoio de Fecomércio RJ. À luz das eleições municipais, que acontecem em novembro, uma lista com as principais propostas será enviada aos candidatos à prefeitura do Rio, ao fim das discussões.

Na avaliação dos convidados, é preciso entender o valor gasto pela administração pública com educação como investimento e não como despesa.


— Investir em educação tem altíssima taxa de retorno. Não pode ser visto como fardo fiscal. Não é. A ciência prova que não é — afirmou Wilson Risolia, secretário-geral da Fundação Roberto Marinho. — Ouço vários gestores falando: não fiz isso por restrição fiscal. Não pode ser. Ele tem que fazer justamente para a restrição não ficar pior. O custo de não investir na juventude é quase quatro vezes maior do que investir.

Segundo Risolia, estudo mostra que uma educação de baixa qualidade custa 372 mil por aluno por ano, enquanto uma boa formação gira em torno de R$ 100 mil anuais por estudante.


Beatriz Pantaleão, presidente do conselho da Fundação Gol de Letra — fundada pelos ex-jogadores da seleção brasileira de futebol Raí e Leonardo —, também defende que a educação seja encarada como investimento:


— Educação não dá resultado rápido, e é cara. Tem que treinar professor, ter espaço adequado. Mas é preciso ser encarada dessa forma.

'Sem Sem'

Uma das ameaças ao futuro do país apontadas no debate é o contingente de 11 milhões de jovens — 23% dessa faixa etária no país  — que não consegue estudar nem trabalhar.

São chamados de “nem nem”. A denominação, no entanto, esconde aspectos fundamentais para se resolver esse problema, na avaliação do jornalista e escritor Edu Carvalho.

— Encasqueto com essa denominação de “nem nem” porque esses jovens, na verdade, devem ser entendidos como possibilidades. Eles não são “nem nem”, são “sem sem”: sem acesso e sem oportunidades. A gente precisa enxergá-los como um ser com possibilidades — defende.


Nesse sentido, a estratégia da Gol de Letra  é trabalhar com o serviço social em parceria com o departamento pedagógico para melhorar a confiança e autoestima desses jovens, comenta Beatriz:


— Outro fator é trabalhar as famílias. Esses meninos estão dentro de contextos familiares que às vezes são complicados. É impressionante a diferença de resultado quando as famílias participam e quando elas são ausentes.


Outra sugestão apresentada durante o encontro foi o investimento em habilidades socioemocionais articuladas com o currículo escolar.

O economista Sérgio Guimarães Ferreira, diretor do IMDS, destacou o bom resultado de experiências nos Estados Unidos que têm programas para alunos conseguirem pequenos trabalhos durante as férias.


— O período de férias é catastrófico para os mais pobres. Esses programas nos EUA, centrados na escola como referência, fazem com que o aluno comece a ter contato com o ambiente do trabalho, com  valores e ética do trabalho, e têm efeito na evasão. Alunos que tiveram em programas desse tipo melhoram, por exemplo, na pontualidade, um aspecto impotante no mercado de trabalho. Os ganhos são enormes — defende.

Já Murilo Duarte, do canal Favelado Investidor, questiona o fato de os métodos de ensino aplicados hoje não terem sido modernizados ao longo do tempo, apesar das diversas mudanças no mundo.

— A forma como minha mãe foi educada é a mesma como eu fui e, possivelmente, como meus sobrinhos mais novos estão sendo. Mas na época da minha mãe não tinha celular, e hoje várias crianças já têm o aparelho na mão. Se isso não é aprimorado, o aluno acaba se dispersando e, às vezes, nem vai para a escola, porque não chama atenção dele — afirma Murilo, que também destaca a importância do esporte para despertar o interesse dos jovens e trazer mais foco à escola.

Desafio carioca

Dos 11 milhões de alunos que não conseguem trabalhar nem estudar, 300 mil estão na cidade do Rio. O número enche cinco estádios do Maracanã.

Esse é um enorme contingente que, segundo os debatedores da  “Semana Rio 2020 — Um seminário Reage, Rio!”, precisa ser trabalhado.

Na avaliação de Teresa Pontual, gerente do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (Ceipe-FGV), a educação tem que ser foco nas eleições municipais do Rio deste ano.

— Já vivemos momentos que a situação da educação no Rio teve outra cara, mas não conseguimos dar continuidade a esse processo. Houve perda de resultados que, infelizmente,  não conseguimos recuperar — afirmou. — O problema não é técnico. Nós já sabemos quais são as soluções. O problema é de implementação, de entender o quão sustentável essa política vai ser.

O estado do Rio de Janeiro não bateu a meta n o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2019, divulgado nesta terça-feira pelo Ministério da Educação, em nenhuma das etapas escolares avaliadas.

Em 2019, nos anos iniciais do ensino fundamental (entre 1º e 5º ano), o Ideb do estado do Rio ficou estagnado em 5,8 e não alcançou a meta de 6,1. Na rede pública, essa é uma etapa escolar oferecida majoritariamente pelas redes municipais.

Na segunda parte do ensino fundamental, os anos finais (do 6º ao 9º ano), o Ideb do estado do Rio cresceu de 4,7 para 4,9, mas não atingiu o que se esperava, a marca de 5,4. A oferta dessa etapa é dividida entre redes municipais, estadual e privada.

O ensino médio também cresceu 0,2 pontos, de 3,9 para 4,1. O esperado, no entanto, era atingir pelo menos 4,9. Essa é uma etapa oferecida, na rede pública, principalmente pela rede estadual de educação.

Possibilidades

Risolia aconselhou os próximos secretários de educação: “aposte em diagnóstico e faça o que precisa ser feito e não o que você quer”.

— Quanto mais profundo você for com o diagnóstico, mais assertivo você será com a ação. Um diagnóstico bom é um planejamento bom. E isso garante uma melhor implementação. E não tente criar coisas novas. As soluções já existem. Se precisar trocar telhados, não faça de todas as escolas. Algumas não precisam de telhado, precisam mais de outra coisas — explica.

Já Murilo Duarte usa a experiência que teve como aluno de escola pública em São Paulo para apontar necessidades que são comuns às escolas do Rio.

— Tem que melhorar as estruturas físicas, o ambiente, da escola. Tem algumas que não tem telhado, não tem janela. Na minha, os alunos usavam livros para tampar o buraco onde estaria a janela e proteger a sala da chuva — afirma.

E o economista Sergio Guimarães afirma que o Rio precisa ter humildade para olhar o que está funcionando em outros lugares do Brasil para ser replicado aqui.

— O Brasil tem várias lições. Tem Sobral, no Ceará, tem Goiás — lembra, acrescentando a necessidade de combater desigualdades — Nas piores escolas precisam estar os melhores professores e diretores.

Ensino técnico

Beatriz Pantaleão conta que a Fundação Gol de Letra oferece cursos profissionalizantes e preparatório para o Enem. Ela, no entanto, defende a importância de que esse serviço seja oferecido massivamente pela escola pública.

— Eu brinco que a Gol de Letra é uma gota no Oceano. Para atingir um público maior tem que ser pela rede pública. As ONGs podem oferecer metodologias de sucesso para serem aplicadas pelo estado — afirma Pantaleão, lembrando, no entanto, que o desejo de acesso à universidade é latente nos jovens atendidos: — Fizemos uma pesquisa no Caju (Zona Norte do Rio) e constatamos esse dado importante.

Wilson Risolia afirma que hoje o Brasil tem, em média, 8% dos jovens nos ensinos técnicos, enquanto a média dos países da OCDE é quatro vezes maior. Ele defende que o modelo da escola técnica no país precisa ser repensado.

O secretário-geral da Fundação Roberto Marinho cita também a pesquisa "Juventudes e a pandemia do coronavírus", que mostrou que um terço dos jovens brasileiros pensam em abandonar a escola.

— Se a escola não se conecta com o que o aluno quer, e o efeito prático é ele sair. A escola do futuro precisa atender a uma necessidade que o jovem tem, que é se conectar com o mercado — afirma.

Apesar dos problemas, a economista Teca Pontual apontou que algumas soluções já estão sendo implementadas ou no horizonte. Umas delas é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que, para o ensino infantil e fundamental, já está em implementação.

Ela destaca que essa é uma importante ferramenta para proporcionar coerência no ensino do Brasil, mas  pondera que, com base nesse documento, ainda é preciso montar o currículo.

— Me pergunto se já conseguimos elaborar um currículo que tenha a cara do Rio, e chame a população para o que é importante, incluindo o esporte, a natureza, as coisas que queremos que sejam valorizadas. Acho que ainda temos trabalho pela frente.

Teca Pontual afirma ainda que, no ensino médio, foi a medida provisória aprovada em 2017 que trouxe grande mudanças, mas ainda está em fase de implementação. Ela destaca que o modelo promove alterações importantes, trazendo o ensino técnico para mais perto da escola. Mas se preocupa por não perceber o estado debatendo sobre ele.

—  Antes tínhamos um ensino médio que não preparava o jovem para o mercado de trabalho nem para se quisesse continuar os estudos no ensino superior. A reforma do ensino médio é fundamental e tem que ser prioridade. Essa implementação é desafiadora e precisa do engajamento da sociedade civil.

A BNCC do ensino médio foi homologada no fim de 2018 e sua implementação começaria em 2020, mas tem sido prejudicada por conta da pandemia.

Covid-19 no caminho

Após quase seis meses sem aulas presenciais no país e a implementação do ensino remoto emergencial, o economista Sérgio Guimarães Ferreira avalia que haverá um crescimento das desigualdades educacionais no país por conta da pandemia da Covid-19.

— Esses impactos precisarão ser pensados, talvez com aulas em contraturno, ainda precisa ser avaliado como será feito — diz o economista.

Ele afirma que é preciso analisar o que provoca a forte evasão escolar e cita dados de uma pesquisa divulgada em 2016, que mostrou que a decisão de sair da escola está associada a outros comportamentos entre os jovens, como o consumo de bebidas alcoólicas, o uso de drogas ilícitas, a prática de relações sexuais, a gravidez na adolescência e o envolvimento em situações de violência.

—  É um problema muito além da sala de aula, relacionado com a questão social. Como resolver isso? Trago uma reflexão, não tem uma resposta.

O jornalista Edu Carvalho, por sua vez, destaca o papel da troca entre professores e alunos na sala de aula. Ele afirma que essa relação será ainda mais importante no retorno às aulas, e ressalta a necessidade de se oferecer acolhimento psicológico para ambos.

— Para muitos alunos está sendo difícil realizar as tarefas pela internet, estar em casa por muito mais tempo. O professor que parou de ter contato constante com os alunos, há uma desumanização da profissão. Esses dois protagonistas precisarão de acolhimento. Tanto no ensino privado, quanto no público — defende.

A especialista em política educacional Teca Pontual afirma que houve uma inversão de prioridades quando outros setores da sociedade reabriram antes das escolas.

—  Não tem como parar tudo e esperar a  vacina. É preciso  priorizar a educação. Essa inversão de valores, com a falta de priorização da educação, é um absurdo. Se acharmos isso normal, vamos continuar sendo um país desigual e atrasado — afirma. — O retorno tem que ser muito conversado. Mas precisamos priorizar as crianças, porque elas já pagaram um preço muito alto nesse isolamento social.

Confira a programação da 'Semana 2020':

Urbanidade — A busca por sustentabilidade, mobilidade, saneamento, saúde e habitação (dia 16 de setembro, às 10h):

Mediação: Gabriela Goulart (editora)

Debatedores: Cláudio Frischtak (economista), Clarisse Cunha Linke (ITDP), Humberto Kzure-Cerquera (arquiteto e urbanista), Maína Celidonio (economista e professora), Miguel Lago (cientista político), Sergio Besserman (economista) e Washington Fajardo (arquiteto e urbanista).

Cidadania e Segurança — O combate à violência sem a perda de direitos (dia 17 de setembro, às 10h):

Mediação: Rafael Soares (repórter)

Debatedores: Átila Roque (Fundação Ford no Brasil), Jaílson de Souza (Instituto Maria e João Aleixo), Joana Monteiro (economista e professora), Leandro Piquet Carneiro (economista e cientista político) e Melina Risso (Instituto Igarapé).

Baía de Guanabara e seu entorno — O potencial econômico e os desafios ambientais de um símbolo do estado (dia 18 de setembro, às 10h):

Mediação: Ana Lucia Azevedo (repórter)

Debatedores:Carlos Henrique da Cruz Lima (Águas do Brasil), David Zee (oceanógrafo), Fábio Abrahão (BNDES), Luiz Edmundo Costa Leite (engenheiro) e Vicente Loureiro (arquiteto e urbanista).

Economia criativa e soft power — A capital cultural recupera sua vocação (dia 18 de setembro, às 15h):

Mediação: Míriam Leitão (colunista)

Debatedores: Adriana Rattes (Grupo Estação NET), Danni Camilo (gestora de alimentos e bebidas), Junior Perim (Circo Crescer e Viver), Marcos André Carvalho (consultor em cidades criativas) e Teresa Cristina (cantora e compositora).

(*) Estagiária, sob supervisão de Ana Cristina Perrone