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'Ao romper bolha, negro sofre pressão, pois representa outros'

Luciana Machado teve transição de carreira apoiada pelo Instituto Identidades do Brasil (ID-BR), vencedor do Empreendedor Social 2022 na categoria Direitos Humanos

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São Paulo

Luciana Machado, 27, diz ser inesquecível o dia em que foi aprovada na UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), no curso de engenharia química. Ela rompia ali uma das bolhas às quais foram impostas à ascensão e à transição de sua carreira.

Com apoio do ID_BR, fez uma transição de carreira, da engenharia para o marketing. A organização liderada por Luana Génot promove jornadas antirracistas em empresas e, neste ano, venceu Prêmio Empreendedor Social 2022 na categoria Direitos Humanos.

"Estava voltando do trabalho quando uma amiga me ligou avisando que eu tinha passado na faculdade. Imagina, eu, 16 anos, jovem negra, da periferia, de Duque de Caxias (RJ), aprovada em engenheira química. Comecei a chorar.

Luciana Machado, engenheira química que se tornou gerente júnior de inovação e marketing da Ambev com apoio do ID_BR
Luciana Machado, engenheira química que se tornou uma liderança em marketing com apoio do ID_BR - Renato Stockler/Folhapress

E mais ainda quando eu desci do ônibus e estava toda a minha família no ponto, me esperando e fazendo a maior festa. Até a minha avó, que foi escravizada e saiu de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, estava lá. Foi uma pena ela não ter me visto formada, porque eu estava quebrando ali outra bolha, num curso elitizado, graças a meu esforço, ao da minha família e à política de cotas.

Só que, quando a gente rompe uma bolha, é festa por um lado e solidão por outro, porque, quando ao ser primeira ou única pessoa negra num ambiente, você carrega peso enorme. Você, neste instante, é muita gente.

Quando me formei, chamei toda a família e vi como me olhavam oito primos pequenos, que falavam: "Lu, eu quero ser engenheiro, como você". Então a gente vira referência ao romper barreiras.

Mas como eu falei, é um curso elitista. Eu pegava oito conduções para ir e voltar para a casa, trem cheio, ônibus, tiroteio. Quantas vezes eu não tinha que correr de perigo ou minha família me esperar. Acordava 5h e ia dormir 0h. Na faculdade, não querem saber se seu trem atrasou, se houve tiroteio.

Era como se representasse todo mundo que está tentando e tentou até ali e há uma pressão de que não podemos errar ou não dar o máximo, de alguma maneira, para justificar estar ali.

Se errar, falha para um grupo inteiro. Nisso eu tive burnout e acabei indo parar no hospital. Eu ralei, ralei, mas consegui me formar engenheira química.

Em 2016, eu passei no processo seletivo para estagiar na L’Oreal. E lá eu vi que eu poderia crescer, porque eles tinham uma rede interna, o AfroSoul, com 25 pessoas, em 2020.

Aprendi ali sobre letramento racial, que nos permite criar novas narrativas, até para as famílias, tão acostumadas ao peso e à pressão de representar a todos.

Por isso que eu falo que essa experiência na L’Oreal e o ID_BR fizeram diferença para mim, porque a gente não se sente sozinha. O ID_BR foi fundamental para que eu conseguisse fazer transição de carreira, da engenharia para o marketing.

Eles, que também trabalham com letramento racial e igualdade nas empresas, me trouxeram trilhas de conhecimento que me deram confiança ao me passarem a história de pessoas negras, além de me ajudarem com bolsa de estudos para eu cursar MBA em marketing na USP. Isso é impacto social.

Então virei trainee em marketing na Reckitt e mais recentemente me tornei gerente júnior de inovação e marketing na Ambev. E sou a Luciana, que também é sambista da Grande Rio e do Salgueiro, e hoje trabalha para que a história de outros negros não tenha a dor do racismo e da desigualdade."

Conheça os demais finalistas e vencedores do Prêmio Empreendedor Social 2022 na plataforma Social+.

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