Por Bárbara Muniz Vieira, g1 SP — São Paulo


Sala de aula em Ribeirão Preto (SP) — Foto: Reprodução/EPTV

O secretário estadual da Educação de São Paulo, Rossieli Soares, afirmou nesta quinta-feira (13) que a educação que temos é "uma das piores e com os piores resultados” do mundo.

A declaração foi dada durante o lançamento do material de apoio para professores do Ensino Médio de São Paulo na sede da Escola de Formação para Profissionais da Educação (Efape), em Perdizes, Zona Oeste da capital.

Durante o evento, Rossieli defendeu o novo Ensino Médio em detrimento da formação generalista anterior, com as disciplinas tradicionais de biologia, física e química, entre outras. O novo currículo passa a valer para o segundo ano do ensino médio em todas as escolas da rede estadual a partir deste ano letivo e vai mudar gradativamente o ensino em instituições públicas e privadas de todo o país.

“Formar generalistas tem levado o Brasil a ter 26% dos jovens abandonando a escola. Queremos continuar fazendo isso? Tratar todos de forma igual não trouxe nenhum resultado para o Brasil. Somos uma das piores educações, com os piores resultados."

A fala do secretário surpreendeu o professor de políticas educacionais na Universidade Federal do ABC (UFABC) e membro do grupo Rede Escola Pública e Universidade (Repu), Fernando Cássio.

"É espantoso o secretário dizer que a educação é uma das piores do mundo. E é triste, porque quando olhamos em retrospecto para o estado de São Paulo, são 27 anos com uma administração que tem uma certa continuidade de ênfase nos resultados, bônus, avaliação, gestão empresarial, parcerias público-privadas. É evidente que a visão tecnocrata focada em avaliação não funciona."

Dentre as mudanças, o novo currículo prevê o aumento de horas letivas anuais e uma mudança na grade curricular. Mas a principal mudança é a do objetivo do próprio Ensino Médio.

Antes visto como uma etapa de preparação para o Superior, ele vai passar a ter um olhar mais voltado ao mercado de trabalho como opção. Isso porque a etapa de ensino será integrada a cursos técnicos que farão o aluno deixar o ensino médio com um diploma em uma área específica.

Gradativamente, todos os colégios, públicos e privados, passarão a oferecer o chamado “Projeto de Vida”: um programa para ajudar o jovem a se conhecer melhor e a tomar decisões pessoais e profissionais. No estado de São Paulo, ele já foi implementado nas escolas do Programa de Ensino Integral (PEI) desde 2012 e no sexto ano de toda a rede desde 2020.

Dentre os cursos que passam a ser oferecidos, faz parte do currículo do novo ensino médio o NovoTec expresso, programa que oferece cursos de 150 horas de Excel e Design de games e aplicativos, por exemplo.

Além disso, há o programa NovoTec Integrado, com 21 opções de cursos técnicos de 1.200 horas, como Administração, Marketing, Logística, Informática para internet, Eventos, Nutrição e dietética, entre outros.

Para Fernando Cássio, no entanto, os cursos neste formato não serão suficientes para garantir emprego no futuro para os jovens.

"Isso não é formação técnica. Um curso de 150 horas de desenvolvimento de aplicativos não vai dar emprego para um jovem em uma empresa, basta olhar para o mercado. A primeira coisa é uma formação sólida. Isso é fundamental. Se o destino do aluno é universidade, curso técnico, abrir seu próprio negócio, uma formação sólida antecede", afirma.

Todas as escolas públicas e privadas terão que expandir o tempo dedicado ao Ensino Médio já a partir deste ano. O tempo de aula que era de, em média, 4 horas por dia, passará a 5 horas por dia. Com isso, no final do ano, o aluno terá cumprido mil horas letivas anuais, um aumento de 200 horas em comparação com o modelo anterior.

A lei não determina, no entanto, se o cumprimento da carga horária vai ser presencial ou a distância, mas a legislação permite que 30% do ensino médio noturno e 20% do diurno seja ministrado remotamente.

Sobre a ampliação da carga horária prometida, Fernando Cássio afirma que a maioria das escolas do estado não possuem salas para abrir aula no contraturno.

“Os alunos do noturno não podem chegar à escola às 17h. A ampliação de carga horária significaria um ano a mais, o quarto do ensino médio. Para não fazer isso, estão oferecendo cursos à distância. E nós já conhecemos a qualidade do ensino à distância no estado de São Paulo.”

Desigualdade

Segundo Rossieli, um dos objetivos do novo currículo do ensino médio é combater a desigualdade.

“Nós queremos diminuir a desigualdade. [Ter] um em cada quatro jovens abandonando o ensino médio não é diminuir a desigualdade. A escola não pode mais ser um preparatório para o Enem e para o vestibular”, afirmou.

De acordo com Fernando Cássio, atribuir o abandono da escola ao currículo é uma visão "simplista".

"Há muitas causas que levam ao abandono da escola. Paulo Freire dizia que estamos falando de uma expulsão da escola. O jovem não abandona a escola, ele é expulso pelos fatores que o pressionam, especialmente econômicos. Ele precisa trabalhar, ajudar a família. E inclui o desencanto com a escola."

Para o especialista, as escolas precisam de uma reforma com auxílio efetivo aos estudantes, ampliando a rede de educação profissional e técnica para acolher os alunos que quiserem fazer cursos técnicos.

"Reformar currículo é muito mais barato do que reformar escola, pagar salário para professor, melhorar condições de trabalho, dar autonomia para as escolas, dar auxílio que não seja atrelado ao rendimento do bimestre, que é uma perversidade. O que queremos é direito à educação para todos: escola digna, profissional de educação com salário decente, condições de trabalho decentes e auxílio para alunos que precisam para permanecer na escola", afirma.

No novo ensino médio, as disciplinas passarão a ser áreas do conhecimento e serão trabalhadas de maneira integrada nas salas de aula. Assim, assuntos de artes poderão ser trabalhados junto aos conteúdos de história, por exemplo, integrando e relacionando duas áreas distintas.

Esta parte da grade curricular vai ocupar 60% do total de horas letivas, o equivalente a 1.800 horas, divididas entre 1º, 2º e 3º anos do ensino médio. No entanto, somente conteúdos de português e matemática serão trabalhados nos três anos letivos.

Apesar de ter menos tempo na grade curricular para todas as disciplinas com exceção de português e matemática, Rossieli diz que os alunos não deixarão de ter conteúdo da formação generalista.

“O aluno não deixa de ter o conteúdo que está previsto na formação básica, isso é fundamental. Especialmente dentro dos itinerários, ele vai continuar a ter contato com os componentes curriculares, a questão é a forma como a gente apresenta”, afirma.

Os itinerários formativos a que se refere o secretário serão optativos, escolhidos de acordo com a vontade do estudante e a oferta da instituição.

As aulas serão compostas de forma a se aprofundar nas quatro áreas do conhecimento e na formação técnica e profissional, segundo a proposta. São elas: linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais aplicadas.

O aluno deverá escolher um itinerário para compor sua grade e poderá optar por outros ao longo dos três anos caso deseje e a escola ofereça outra opção com vagas disponíveis.

Esta modalidade de aula vai ocupar os 40% restante do total de horas do ensino médio, chegando a 1.200 horas divididas pelos três anos da etapa escolar.

Ao ser questionado se um jovem de 15 anos já tem os instrumentos necessários para escolher um itinerário abrindo mão dos demais e decidindo, assim, o que vai fazer no futuro, o secretário defendeu que sim. “O mundo não é de generalistas, ele é cada vez mais de especialistas, e aos 15 anos você já tem muitos de seus interesses. E experimentar faz parte do processo."

No estado de São Paulo, o aluno do sexto ano, aos 11 anos de idade, já escolhe seu itinerário formativo.

Para a doutora em educação e professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) Ana Paula Corti, a troca de tempo de aula do conteúdo por cursos técnicos de curta duração ou “projetos de vida”, somada a uma escolha precoce de itinerários que o aluno terá que fazer vai acentuar as desigualdades.

"No Brasil sabemos que o tipo de educação recebida pelos mais pobres é muito diferente daquela recebida pelos mais ricos. O sucesso escolar de um estudante está correlacionado com seu nível socioeconômico e seu capital cultural. Por isso, num país de contrastes tão abismais como o nosso, a política educacional precisa ser articulada com uma política cultural e de distribuição de renda: dar mais aos que têm menos", afirma.

E completa: "O que a atual reforma propõe é dar ainda menos aos que já têm menos. Isso porque o estudante mais pobre será direcionado para um currículo reduzido e empobrecido, com menos formação científica, já que ele terá que escolher um itinerário".

Ensino Superior

Segundo a professora, o novo currículo torna ainda mais distante para os mais pobres a continuidade dos estudos em nível superior, que é uma das finalidades previstas para o Ensino Médio na Lei de Diretrizes e Bases (LDB).

Porém, o secretário de educação não vê como prioridade garantir o acesso dos estudantes de escola pública à universidade.

“Obviamente a desigualdade que existe precisa ser combatida de várias formas. E de novo, é um absurdo vir aqui falar que o Ensino Médio é um preparatório para o vestibular, aliás para uma grande parte dos jovens nem é o Ensino Superior necessariamente o sucesso de vida e isso é normal, ele pode fazer educação técnica e ter outra trajetória", afirma Rossieli.

No Brasil, porém, quem possui curso no Ensino Superior completo apresenta vantagem salarial em relação aos que possuem apenas o Médio. Uma pesquisa realizada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta que essa diferença de salário chega a 140% e é uma das maiores do mundo.

Segundo Ana Paula Corti, além da possibilidade de conseguir melhores salários no futuro, o novo Ensino Médio tira dos jovens pobres a oportunidade de alargar os horizontes e apresentar novas realidades.

"As 'novas' disciplinas oferecidas estão ocupando espaço dos conhecimentos básicos como história, geografia, química, física. Para os jovens pobres, a escola é o único espaço público em que ele pode ter acesso aos bens culturais e pode sonhar com melhores perspectivas de vida."

A especialista destaca que o novo formato fragiliza uma formação mais crítica.

"O novo ensino médio pode piorar a situação da juventude mais pobre ao dirigi-la para uma inserção social mais subalterna, pois as novas disciplinas esvaziam o caráter crítico da formação e visa treiná-los para aceitar qualquer tipo de ocupação, por mais precária e mal remunerada que ela seja, tanto assim que querem ensinar resiliência no currículo."

"O jovem deve ter o direito a conhecer a realidade social e econômica do país e a entender as causas dos nosso problemas, que não são apenas dele, individuais. O que precisamos ensinar aos nossos jovens no ensino médio é a pensar e não a se adaptar."

Modelo

Rossieli diz que ouviu especialistas do mundo inteiro sobre o novo ensino médio e que o estado de São Paulo é o único do Brasil em que aos 11 anos, ou seja, no sexto ano, o aluno já tem a disciplina de “projeto de vida” no currículo.

“É um processo de escolha que é orientado desde o sexto ano. É justamente para ele ter a possibilidade de construir seu projeto de vida e a partir disso fazer as escolhas possíveis. E sempre com as quatro áreas de conhecimento de uma forma sendo ofertadas, porque isso inclusive é da resolução nacional, não se pode deixar de oferecer um aprofundamento em uma das quatro áreas”, afirmou.

O aprofundamento em apenas uma das áreas é justamente o problema neste caso, segundo Corti, já que o estudante precisa abrir mão de conteúdos de formação geral básica.

"Ao escolher o itinerário de Ciências Humanas, por exemplo, o estudante abre mão de conteúdos de Matemática e Ciências da Natureza, quando o ensino médio deveria ser uma formação geral básica para todos para que, posteriormente, as escolhas possam ser feitas com base numa experiência concreta que ele adquiriu junto às disciplinas escolares", afirma.

Para ela, teria sido importante ouvir especialistas brasileiros antes de implementar o novo formato.

"O fato de supostamente ser bem-sucedido em outros países não significa que seria igual aqui, pois a materialidade de uma política educacional se produz no encontro com a economia, a cultura e as condições objetivas de vida de cada país."

"Um exemplo é que, diferente dos países que nossos gestores costumam admirar, no Brasil, os jovens começam a trabalhar precocemente, fato que foi agravado pela pandemia, e a condição de trabalhadores exerce uma tensão contínua com seu processo de ingresso e permanência no ensino médio. Isso exige um desenho próprio de política educacional capaz de incluir, e não excluir os jovens trabalhadores do sistema de ensino", afirma.

"É importante lembrar ao secretário que o Brasil é um país com características próprias e soberano, que possui instituições de ensino superior de qualidade, e que produzem pesquisa na área de educação. Por que esses pesquisadores não estão sendo ouvidos para a realização da reforma do ensino médio?"

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