Antes de trapalhada com Fundeb, MEC havia errado transferências de R$ 1 bi

Falhas ocorreram com salário-educação em 2019, 1º ano do governo Bolsonaro; área do FNDE, órgão ligado ao MEC, acumula erros

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Brasília

A trapalhada nas transferências de R$ 766 milhões do Fundeb, revelado pela Folha, não foi inédita no governo Jair Bolsonaro (sem partido). Outro erro da ordem de R$ 1 bilhão em recursos para a educação já havia ocorrido em repasses de 2019, primeiro ano da gestão atual.

Não há informações se a situação toda foi resolvida até agora. O TCU (Tribunal de Contas da União) concluiu, no fim de março, análise em que se apuraram os erros cometidos com recursos do salário-educação, conforme documentos obtidos pela Folha.

As transferências são de responsabilidade do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). O órgão é ligado ao MEC (Ministério da Educação).

Foram três erros concomitantes: houve equívocos em cálculo referentes às matrículas, na adoção de uma nova metodologia do cálculo e também na própria mensuração do valor total do salário-educação a ser repassado para estados e municípios.

Essa última lambança resultou em uma diferença de R$ 789,8 milhões, que redes de ensino deixaram de receber, apesar de terem o direito aos recursos. Houve uma confusão, no FNDE, entre o valor líquido e bruto na hora de fazer as contas.

O salário-educação é uma contribuição empresarial direcionada à educação pública e cujo saldo total (de R$ 22 bilhões em 2019) é dividido da seguinte forma: 60% vão para municípios e estados e o restante fica com a União. Mas é o FNDE quem opera toda a distribuição.

Ao fazer essa confusão entre valores bruto e líquido, segundo o TCU, a mensuração total deixou de fora R$ 1,3 bilhão do total arrecadado. Assim, estados e municípios não receberam os 60% devidos, ficando R$ 789,8 milhões a menos.

Já o imbróglio nos cálculos de matrículas gerou um erro de distribuição de R$ 297,8 milhões. Estados receberam menos e municípios, mais.

Os erros do MEC provocaram repasses equivocados ao longo de todo 2019. Comandaram o MEC no primeiro ano do governo Bolsonaro o professor Ricardo Vélez Rodriguez e, na maior parte do tempo, Abraham Weintraub.

No processo do TCU, o FNDE informou que faria as compensações em 2020. Para resolver a situação, o órgão precisou solicitar crédito suplementar e ainda utilizar saldos de restos a pagar (despesas inscritas no orçamento de um ano, não executadas e jogadas para exercícios posteriores).

Questionado, FNDE afirmou em nota que recebeu do TCU a determinação para "o estabelecimento de procedimentos necessários para a correção das inconsistências". Segundo o fundo, os ajustes encontram-se em análise para a implementação das recomendações do Tribunal.

O FNDE não deixa claro se a distribuição dos recursos foi normalizada.

O episódio de 2019 ocorreu na mesma área onde ocorreu o erro com a primeira parcela do ano da complementação do Fundeb (principal mecanismo de financiamento da educação básica). Na ocasião, três estados e respectivos municípios receberam dinheiro a mais do que lhe eram devidos, e seis, a menos.

A Folha mostrou que os cálculos para essas transferências são realizados por apenas um servidor, de nível médio, e que o sistema não é informatizado. Pelas redes sociais, o ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro, minimizou a falha, disse que era algo pontual e que fora resolvida rapidamente.

A deputada Tabata Amaral (PDT-SP) diz que as falhas técnicas do MEC extrapolam as paredes da pasta e impactam o futuro de pessoas reais. "São jovens que dependem disso para romperem o ciclo da violência e da pobreza", diz.

"O ministro precisa ter clareza da responsabilidade de seu cargo e trabalhar para fortalecer as áreas técnicas do ministério, não o contrário, como tem feito com os cortes de orçamento para autarquias e com a reposição do quadro de liderança por pessoas com ideologias fortes e pouca experiência na área”, completa.

O gerente de Estratégia Política do Todos Pela Educação, Lucas Hoogerbrugge, afirma que a sequência de falhas trazem grande preocupação para o sistema educacional.

"É uma série de erros em transferências obrigatórias constitucionais. Sem uma composição técnica adequada, coloca em risco os processos e a credibilidade da instituição", diz.

Foi também na mesma área do FNDE que ocorreu a falha que deixou fora do ar o sistema para cadastro dos conselhos de acompanhamento do Fundeb, revelado pela Folha nesta semana.

Trata-se da Coordenação-Geral de Operacionalização do Fundeb e de Acompanhamento e Distribuição de Arrecadação do Salário-Educação. A coordenação é ligada à Diretoria de Gestão de Fundos e Benefícios do FNDE.​

O prazo legal para o cadastramento terminou na quarta-feira (31). Com o sistema fora do ar há um mês, estados e municípios correm o risco de serem considerados inadimplentes para todas as transferências voluntárias de recursos federais.

Em nota, o FNDE prometeu que o sistema estará disponível na próxima semana.

Apesar de registar as irregularidades com o salário-educação em 2019, e cobrar o FNDE para uma resolução, o TCU concluiu por não responsabilizar nenhum servidor. Para o órgão de controle, não teria havido fraude ou "erro grosseiro"; o ministro Augusto Nardes decidiu pelo arquivamento do processo.

O arquivamento foi ressaltado pelo FNDE em nota encaminhada à reportagem.

Os atenuantes identificados pelo tribunal para afastar a responsabilização foram, na maioria dos casos, o pouco tempo que os funcionários estavam nas funções. Isso é reflexo das várias trocas que o MEC e suas autarquias têm sofrido sob Bolsonaro.

O pastor Milton Ribeiro já é o terceiro ministro da Educação do governo. O FNDE já está no quarto presidente desde 2019 —o atual, Marcelo Ponte, chegou ao posto em maio de 2020, por indicação do centrão.

A Coordenação que trata do Fundeb e do salário-educação está sem titular desde novembro passado. Ela é gerida por um coordenador substituto.

O Fundeb reúne parcela de impostos de estados e municípios e uma complementação da União. Renovado no ano passado, o novo formato prevê maior participação da União e novas regras de distribuição —o que vai tornar os processos de transferência ainda mais complexos.

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