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Mariana Belmont

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ansiedade climática generalizada

Homem cobre rosto por causa de poluição - Getty Images
Homem cobre rosto por causa de poluição Imagem: Getty Images

Mariana Belmont

14/10/2021 06h00

Estou com ansiedade climática, talvez você também esteja. Só sei que estamos na primavera, e em São Paulo faz um frio absurdo de inverno, com chuva fina e um vento longo que não dá vontade de nada. Aqui da janela do escritório onde eu trabalho em casa bate um sol delícia, mas está frio. Era para estarmos desfrutando dos dias gostosos de primavera, pisando em flores e pegando escondido as flores das casas vizinhas, mentira não façam isso.

Recentemente um estudo promovido por pesquisadores britânicos, com a Avaaz, em 10 países revelou o peso psicológico da degradação ambiental em adolescentes e jovens, não me encaixo mais no público alvo, mas compartilho da ansiedade deles diariamente. A pesquisa ouviu 10 mil pessoas, inclusive aqui no Brasil, e apontou o quanto a falta de ação dos governos para enfrentar a crise climática acentua o sentimento de ansiedade e preocupação nas novas gerações.

Tomei a liberdade de ligar para o meu afilhado ao começar a escrever esse texto, ele tem 14 anos, ele mora no mesmo bairro que eu nasci e cresci, em Parelheiros. Ou seja, é um quase adolescente que mora dentro de um dos maiores pedaços de Mata Atlântica da cidade de São Paulo. Perguntei para ele qual o sentimento nesse descontrole do tempo, se isso atrapalhava ele nas atividades fora de casa, como andar de bicicleta ou encontrar os amigos na rua.

Gabriel me respondeu que os dias frio deixava ele mais em casa e "é muito chato" ficar sem sair, "nem dá para sair no quintal". "É ruim demais, porque quando tá chovendo até que eu dou uma saída, mas fico resfriado aí eu acho ruim esse negócio do tempo fica mudando toda hora". Eu pareço muito com ele, eu externalizo ficando emburrada e ele joga videogame por muitas horas, é irritante.

Quase metade dos jovens entrevistados mundialmente (45%) dizem que a ansiedade climática afeta suas vidas diárias: como jogam, comem, estudam e dormem.

Não consegui achar os dados mais refinados desse estudo, não sabemos qual a raça, gênero e território de jovens e crianças entrevistados, em especial no Brasil. Não sei, a minha impressão é que isso se amplifica com um olhar de quem vive nos territórios periféricos, sejam eles rurais ou urbanos. Quem percorre as grandes cidades de ônibus por muitas horas, para trabalhar ou estudar e respira um ar poluído, prejudicando nossa saúde.

A ansiedade climática é a preocupação, a frustração, a dor e até mesmo a raiva ligada à realidade da crise climática e ao fracasso contínuo dos nossos governos em responder com a urgência que ela exige. Qual o ar que você respira que te deixa doente? Qual a água que você bebe? Você perdeu tudo em uma enchente no Jardim Pantanal, bairro da zona leste de São Paulo? Como você se sente.

Muitas vezes as respostas estão nas entrelinhas, nos olhares de decepção e tristeza por não ter nada e chegar a água e te leva tudo, ou o próprio Estado, afinal é ele que deveria ter políticas públicas para que viver nas cidades fosse seguro e saudável.

No Brasil eu não tenho dúvidas que as pessoas sentem-se traídas pelo seus líderes. Jovens, crianças, adultos ou idosos, todos em um abismo climático mesmo sem entender direito qual sua parte nessa confusão toda. Sim, estamos assustadas, e apavoradas, com o futuro. Estes sentimentos são desconfortáveis e difíceis, mas são uma resposta perfeitamente normal à destruição do mundo natural aliada à incompetência política e ao negacionismo dos governos.

Os olhos atuais estão voltados para a COP26, que será um momento importante para os líderes mundiais se encontrarem e voltarem com propostas concretas, mas olhando para a vida das pessoas. Mas precisamos criar estratégias de diálogo constante, com todas as áreas que afetam a vida das pessoas e que o problema climático está envolvido. Quais serão os próximos passos após a Conferência?

Há muitas pessoas ainda distantes sobre como as mudanças climáticas estão afetando o nosso hoje, em frente às nossas casas. A mídia não consegue mostrar o tamanho do problema e também falha em mostrar como as pessoas já afetadas no seu dia a dia estão enfrentando os problemas já causados pela crise, o que desse enfrentamento pode ser replicado e usado para mitigação?

Segundo levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), quase 20 milhões de brasileiros declaram passar 24 horas, ou mais, sem ter o que comer. Os dados também apontam que 24,5 milhões não têm certeza de como vão comer no dia e já reduziram quantidade e qualidade do alimento. E outros 74 milhões vivem inseguros sobre se vão acabar passando por isso.

Veja, o problema da fome voltou ao Brasil com intensidade nos últimos anos de governo Bolsonaro. Esse tipo de urgência gera ansiedade, tristeza e falta de clareza sobre o futuro, a grande questão aqui é que as pessoas não sabem se estarão vivas amanhã ou morrerão de fome.

A Folha de S. Paulo de ontem, 13/10, traz uma matéria que mostra que além da fome, alto desemprego e a queda brusca da renda nos últimos anos fez explodir o número de favelas no Brasil. Em dez anos, elas mais que dobraram em número e presença nas cidades brasileiras. Segundo o IBGE, o total de "aglomerados subnormais" (favelas, palafitas, etc.) saltou de 6.329 em 323 municípios para 13.151 em 734 cidades de 2010 a 2019. Caracterizadas por padrão urbanístico irregular e falta de saneamento básico, as moradias nessas condições aumentaram de 3,2 milhões para 5,1 milhões no período.

Todos esses problemas são urgentes, estão relacionados à falta de políticas públicas para a melhora da qualidade de vida das pessoas e das cidades. Falta de comida, falta de planejamento urbano que olhe para os territórios periféricos e as urgências das cidades.

O que sobra para quem precisa encarar o transporte público ou a fome todos os dias? A falta de moradia? E de saúde? Os dados não nos deixam mentir, mas basta olhar a imagem de tristeza de quem precisa buscar restos de comida para sobreviver por mais um dia.

Será essa a tristeza e a ansiedade climática do estudo? Desconfio que sim.