Exclusivo para Assinantes
Opinião

A escola deve reprovar alunos este ano?

Aprovar apenas os que conseguiram aprender durante o isolamento social é uma opção carregada de injustiças

Depois de vários meses em casa, estudando numa modalidade a distância totalmente improvisada, alguns alunos já estão até fazendo provas on-line. A questão é: essas notas podem definir a vida escolar do aluno, inclusive no caso de uma reprovação?

O que fazer com este ano letivo? Existem três alternativas: a primeira, considerar o ano perdido e começar em 2021, do zero: todos na mesma série em que estavam. A segunda, aprovar quem aprendeu e reprovar os demais. A terceira é matricular os alunos na série seguinte (exceto no caso dos anos finais do ensino fundamental 1 e 2 e do ensino médio), e trabalhar em 2021 com um plano de estudos especial para cobrir os conhecimentos das duas séries.

Embora possa parecer absurda para alguns, essa terceira alternativa não deixa de ser plausível. Isso porque a aprendizagem deve ser estruturada em ciclos, mais do que em “séries”. Os ciclos de aprendizagem não necessariamente coincidem com o ano civil, até porque as competências que os estudantes deveriam ter em cada faixa etária nem sempre podem ser desenvolvidas até o mês de dezembro de cada ano.

Então, quando estruturamos o aprendizado não em cima de acúmulo de conteúdos, e sim em função de competências, não importa tanto se o aluno está no 3º ou no 4º ano. O que importa é que, ao final de cada segmento (ensino fundamental ou médio) ele tenha desenvolvido as competências — conhecimentos, habilidades, atitudes — esperadas para o seu momento de vida. É possível redesenhar os planos de estudos com esse critério.

A opção de anular este ano letivo, depois do período tão difícil que vivemos, pode trazer danosos impactos emocionais — o que tem consequências negativas na aprendizagem futura. Seria impor às crianças mais uma frustração, fazendo-as perder um ano da vida acadêmica. É também aumentar o risco de abandono e a evasão escolar no ensino médio, que já são muito altos. Aprovar apenas os que conseguiram aprender durante o isolamento social é uma opção carregada de injustiças, pois penaliza quem tem menos recursos e acirra as desigualdades.

Ao contrário, prosseguir para a série seguinte é optar pela motivação, pelo envolvimento com o aprendizado, e confiar que os professores são capazes de reparar as lacunas e equalizar o trabalho. É acreditar que os alunos são capazes de se dedicar em dobro, aprender e seguir em frente. Essa decisão tornaria a volta às aulas, que já não será simples, menos estressante, com menos correria e mais equilíbrio.

Mas atenção: caso fosse adotada, essa alternativa não poderia ser entendida como uma “aprovação automática”, daquelas que deixam que os estudantes passem de qualquer jeito e sigam aos trancos e barrancos.

Para essa medida funcionar, há no mínimo três requisitos. Primeiro, explicar bem às famílias o que esta situação excepcional significa, como o trabalho será coordenado e como os pais e responsáveis podem acompanhar, em casa, o trabalho da escola. Além disso, reorganizar cuidadosamente os planos de ensino, inclusive incorporando a Base Nacional Comum Curricular, que já fala dos ciclos de aprendizagem. E, finalmente, contar com os mestres para fazer um trabalho muito personalizado, acompanhando a evolução de cada estudante, de forma que ninguém fique para trás.

Andrea Ramal é consultora em educação