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Analfabetismo no Brasil tem taxas maiores entre pessoas com mais de 60 anos

'Sei apenas escrever meu nome', diz idosa de Fortaleza; segundo educadores, país tem dívida histórica em relação ao tema
Irene Batista Maciel, de 72 anos: após concluir um dos programas oferecidos pelo governo há 40 anos, ela sabia apenas escrever o próprio nome Foto: Thays Lavor
Irene Batista Maciel, de 72 anos: após concluir um dos programas oferecidos pelo governo há 40 anos, ela sabia apenas escrever o próprio nome Foto: Thays Lavor

RIO E FORTALEZA - Caçula dos nove filhos de um agricultor e uma dona de casa, a cearense Irene Batista Maciel, de 72 anos, sabe escrever seu nome, e essa é toda a alfabetização que teve ao longo da vida. A costureira aposentada dá rosto a dados revelados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( IBGE ): o país tem 11,8 milhões de analfabetos de 15 anos ou mais, o que corresponde a 7,2% dessa população. No Nordeste, região em que vive Irene, a taxa sobe para 14,8%, índice quatro vezes superior ao que ocorre no Sul, que registrou 3,6% de analfabetos. A disparidade também se dá pela cor: entre pessoas pretas ou pardas, o índice ficou em 9,9%; duas vezes maior que entre brancas, que foi de 4,2%. Os dados fazem parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2016 ( Pnad Contínua ) e, por diferença de metodologia, não podem ser comparados com os dos anos anteriores.

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— Meu pai não acreditava que estudo botasse a gente para frente, mas, para a roça, a gente ia. Com menos de 10 anos eu já passava o dia no roçado. Eu tinha raiva de ir pra lá — lembra Irene, nascida no município de Boa Viagem, na zona rural do Ceará, a 225 km de Fortaleza.

Seu contato com a educação veio somente na fase adulta, aos 35 anos. Em tempos de regime militar, o ensino ofertado era por meio do Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), cujo objetivo era alfabetizar a população urbana iletrada de 9 a 35 anos. Após concluir um dos programas oferecidos, a jovem sabia escrever o próprio nome, mas continuava sem saber ler.

O relato da aposentada expõe uma característica importante do índice de analfabetismo. De acordo com o IBGE, a maior taxa dos que não sabem ler ou escrever se concentra entre os idosos.

— O indicador para os que têm 60 anos ou mais ultrapassa os 20%. É uma questão não só da educação atual, mas estrutural, de educação histórica do país — destaca a pesquisadora de IBGE, Helena Oliveira.

EDUCAÇÃO NUNCA FOI PRIORIDADE

Segundo a diretora executiva do movimento Todos Pela Educação, Priscila Cruz, os números revelados pela Pnad Contínua 2016 mostram que Educação nunca foi prioridade no Brasil e que os efeitos disso são sentidos por décadas:

— O analfabetismo impede que a pessoa aumente sua renda, consiga um emprego melhor, rompa a bolha de exclusão em que está presa há gerações. Uma pessoa pobre que não sabe ler ou escrever tem pouquíssimas chances de sair da pobreza.

Para Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, há um atraso para diminuir o número de analfabetos e as disparidades regionais no Brasil.

— A redução nos últimos anos só tem ocorrido por falecimento dos idosos. Isso mostra que o governo tem tratado sua população de maneira irresponsável ao não possibilitar um dos direitos mais básicos, que é o da alfabetização. As esferas municipal, estadual e federal não realizaram nenhum esforço concreto para erradicar o analfabetismo — afirma ele, acrescentando que, considerando a América Latina, o Brasil está atrás de seus vizinhos.

Os números divulgados pelo IBGE mostram que o Brasil não conseguiu alcançar uma das metas intermediárias estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação (PNE) em relação à alfabetização da população com 15 anos ou mais. A meta 9 do PNE determinava a redução do analfabetismo a 6,5% até 2015, o que não aconteceu. O Plano indica ainda que, em 2024, o analfabetismo deve estar erradicado do país.

Sobre isso, Rossieli Soares da Silva, secretário de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), afirma que, para atingir tais metas, é necessário separar as responsabilidades atribuídas ao MEC, aos estados e aos municípios. O papel da pasta, segundo ele, seria dar apoio para sanar dívidas históricas. Ele ressalta que uma das medidas para reverter o problema é valorizar a educação básica e os adultos que não tiveram oportunidade ao longo da vida.

— Algumas decisões foram tomadas, como o programa “Mais alfabetização". Além disso, na Base Nacional Comum Curricular, entendemos que o processo de alfabetização deve ser no 1º e no 2º anos do ensino fundamental, e não até o 3º, como é hoje. Desta última maneira, acabávamos empurrando o problema — pontua o secretário.