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Líder de mercado na Oliver Wyman, Ana Carla Abrão trabalhou no setor financeiro a maior parte de sua vida, focada em temas relacionados a controle de riscos, crédito, spread bancário, compliance e varejo, tributação e questões tributárias.

Crianças mais pobres pagarão a maior conta da pandemia

Dada a perda de aprendizagem, com as escolas fechadas para conter o vírus, essa geração de crianças terá uma renda menor do que teria não fosse a pandemia

Por Ana Carla Abrão
Atualização:

O Brazil Lab, da Universidade de Princeton, e o Instituto de Mobilidade Social (IMDS) promoveram na semana passada o colóquio “Uma Pandemia de Desigualdade”. Nele, o prêmio Nobel de Economia Angus Deaton (Princeton) e o professor Ricardo Paes de Barros (Insper e IMDS) apresentaram o triste retrato de uma pandemia que, sob o ponto de vista da desigualdade, deixa uma conta que irá se estender muito além da atual tragédia. 

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Nos EUA, a assimetria no impacto se revela por meio da desigualdade educacional. Pessoas com maior nível educacional morreram menos e ficaram mais ricas durante a pandemia. Com base na observação da população com e sem diploma universitário – segmento menos protegido economicamente mesmo antes da pandemia –, Deaton mostra que o impacto mais forte foi nesse segundo grupo. Em relação à renda, enquanto em 1990 aqueles com curso superior detinham 50% da riqueza total nos EUA, em 2021 a parcela de riqueza que lhes cabe se aproximou de 75%. 

A foto brasileira é muito pior. Se nos EUA a grande assimetria no impacto da pandemia se revela entre os mais ou menos educados, aqui ela vai além disso ao se refletir de forma diferente também entre as diversas faixas etárias e nível socioeconômico. Paes de Barros mede e mostra isso como ninguém. Embora tenham sido os idosos os que mais sofreram os impactos quando a medida é o número de mortos, são de longe as nossas crianças as que irão pagar a maior conta, em particular as mais pobres.

Equipe em Vigia, no Pará,faz busca ativa de alunos que deixaram de estudar Foto: UNICEF/BRZ/Luiz Marques

Os custos econômicos da pandemia podem ser medidos (imperfeitamente) pelo que seria a perda de renda refletida nas perdas de vidas. Nessa dimensão – e considerando a concentração de mortos nas idades mais avançadas, Paes de Barros estima que as perdas na faixa de idosos atingiram no Brasil o equivalente a 5% do PIB. Na faixa anterior, da população produtiva, o custo econômico se mede na redução da renda do trabalho, explicada preponderantemente pela perda de postos de trabalho. Nas contas apresentadas por ele, essa perda representa 3% do PIB, fruto da redução de aproximadamente 7 milhões de empregos. Esse custo, contudo, teria sido mais do que compensado, em termos agregados, pelos programas governamentais de auxílio à renda e emprego que transferiram cerca de R$ 230 bilhões para essa parcela da população.

Mas é na faixa das crianças e jovens, o grupo mais pobre da nossa sociedade, que a conta ganha outra proporção e se torna muito mais perversa.

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As perdas associadas ao necessário fechamento das escolas são medidas pelas perdas de aprendizagem que acompanharam o ensino remoto durante a pandemia. Paes de Barros estima essa perda em 9% do PIB, equivalente ao valor presente da redução na renda do trabalho dessas crianças no futuro. Ou seja, dada a perda de aprendizagem e seu impacto sobre a geração de renda do trabalho no futuro, essa geração de crianças terá uma renda menor do que teria não fosse a pandemia. Comparando os 9% do PIB daqui com os 5% ou 3% de perdas nas demais faixas etárias, essa é, de longe, a maior delas. 

Mas a perversidade não acaba aí. A perda de aprendizagem – portanto, de renda futura – depende do grau de engajamento da criança no processo educacional remoto. Esse engajamento, por sua vez, vincula-se às condições de oferta e de acesso a aulas e atividades remotas. E é aí que o fosso da desigualdade se amplia. Uma lupa nos dados de engajamento das nossas crianças ao longo do último ano, segmentados por características socioeconômicas, mostra que é a menina branca, de alta renda, moradora de centros urbanos e filha de pais educados que está no extremo onde o engajamento (e, portanto, o aprendizado) é mais alto. No outro extremo, com engajamento que equivale a 1/3 da média, está o menino negro, pobre, morador de área rural e filho de pais com baixa escolaridade. A conclusão, segue Paes de Barros, é triste e óbvia. Se nada for feito para compensar as perdas de aprendizagem durante a pandemia, teremos um País mais pobre e ainda mais desigual no futuro. 

Essa é a conta que a pandemia – e a ausência de políticas públicas educacionais de reversão desse quadro – deixará para as crianças e, portanto, para as próximas gerações de brasileiros.

*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAMENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

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