Economia

América Latina foi mais afetada pela pandemia por causa da desigualdade, afirma diretora-gerente do FMI

Kristalina Georgieva defende investimento em capital humano e diz que déficits orçamentários só poderão ser tratados a médio prazo
A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva Foto: OLIVIER DOULIERY / AFP
A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva Foto: OLIVIER DOULIERY / AFP

RIO – A crise provocada pela pandemia de Covid-19 é sem precedentes, pois combina uma crise econômica com uma crise sanitária, afirmou nesta terça-feira a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva.

Em evento on-line promovido pela Americas Society/Council of the Americas (AS/COA), ela ainda disse que a desigualdade é o principal motivo de a América Latina ter sido particularmente afetada.

– A América Latina tem apenas 8% da população mundial, mas, infelizmente, concentra 20% dos casos (de Covid-19) e 30% das mortes.  O FMI projeta que, em 2020, a economia global terá retração de 4,4%; os mercados emergentes, de 3,3%; e a América Latina, de 8%. São números assustadores – afirmou Kristalina.

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A diretora-gerente do FMI elencou os três principais motivos para isso:

– O crescimento da América Latina tem desacelerado frente a anos anteriores. Em segundo lugar, a maior parte dos trabalhadores da região está em indústrias onde há contato humano, 45%, contra 30% no mundo. O Caribe, por exemplo, sofreu um duro golpe por depender do turismo. Em terceiro lugar, infelizmente, o baixo investimento em pessoas agravou a situação.

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Kristalina, no entanto, ressaltou ações positivas dos governos locais, como redução de juros, distribuição de recursos e adiamento no recolhimento de impostos. Segundo ela, as medidas diretas para dar apoio à população equivalem a cerca de 5% do PIB da região.

Capital humano

Com relação aos gastos assumidos pelo governo, ao ser perguntada sobre os déficits orçamentários que estes acarretam, a diretora-gerente do FMI ressaltou que as despesas eram necessárias.

– Sem esses gastos, teríamos visto um enorme desemprego. O elevado endividamento e o aumento dos déficits terão de ser tratados a médio prazo. Estamos dizendo aos governos para traçarem planos de equilíbrio orçamentário críveis, para que as pessoas saibam que vocês estão expandindo seu déficit agora, mas que, quando a economia se recuperar, o equilíbrio será retomado.

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A presidente e diretora executiva da AS/COA, Susan Segal, perguntou a Kristalina se as falhas da América Latina em lidar com a pandemia não teriam também razões estruturais. A diretora-gerente do FMI reconheceu que sim e disse que a região tem deixado de investir em seu principal ativo de crescimento, que é o capital humano:

– As realizações na educação poderiam ser melhores; as condições do setor privado poderiam ser melhores; e, por último, a desigualdade. A América Latina está melhor do que já foi, mas continua sendo a região mais desigual do mundo. A desigualdade implica que metade da sociedade não está atingindo seu pleno potencial. Isso é ruim para as pessoas e ruim para a economia como um todo.

Investimento no digital e nas mulheres

Ela citou como exemplo a transformação digital que foi trazida pela pandemia: aqueles trabalhadores com maior qualificação ficaram bem, mas os pouco qualificados ficaram para trás – ressaltando que isso afeta também mulheres e jovens.

Kristalina disse que o FMI vem estudando como governos podem encontrar espaço fiscal para investir na economia digital. Ela defendeu ainda medidas que permitam uma maior inclusão das mulheres no mercado de trabalho, como investimento em creches.

Susan lembrou a elevada informalidade que existe na América Latina e perguntou como seria possível incluir essas pessoas no mercado de trabalho formal. Kristalina citou a criação de instituições governamentais fortes, inclusive por meio de plataformas digitais, e um sistema tributário progressivo, que faça os informais contribuírem para, depois, terem acesso aos serviços públicos.

Apesar de tudo, a diretora-gerente do FMI se declarou otimista:

– Se uma crise pode servir para o futuro, é para nos sacudir, e o que pensávamos ser impossível torna-se possível e, então, realizável.