Educação
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Por Bruno Alfano — Afuá (PA)

São quase 23h quando Érica Mesquita Gomes, de 26 anos, pega o bebê no colo e atravessa a Vila de Jupaty, em Afuá, no Noroeste da Ilha de Marajó (PA), com o celular na mão. Em poucos minutos de caminhada no escuro, por palafitas, ela chega à porta de uma moradora da onde um pequeno modem distribui internet para quem contribui com a conta no fim do mês. Ali, tarde da noite, quando a conexão está no seu melhor horário, a ribeirinha consegue acessar a plataforma de aprendizado virtual para fazer as aulas do dia no curso de Pedagogia.

— Sempre sonhei em ser professora. Sempre. A distância era a única forma — conta a aluna da Uninter.

A Vila de Jupaty fica a seis horas de catraio (tipo de embarcação acessível da região) da área central de Afuá, a única cidade do país que não possui carros — nem para ambulância, polícia e bombeiros. Todo o transporte em terra é feito por bicicleta. No entanto, é pelo rios que estão as principais vias de mobilidade local, já que esta é a única forma de alcançar as inúmeras vilas e pequenos aglomerados populacionais na beira dos cursos d’água formados pelo Amazonas.

Érika já trabalha como professora assistente na pequena escolinha do Jupaty que, sem acesso à rede de energia elétrica, é fornecida por gerador. Na saída da aula, os alunos atravessam a rua e pulam no rio. Outras sobem no catraio, que funciona como o ônibus escolar local, e para de beira em beira deixando as crianças. A última leva até duas horas para chegar em casa.

— Eu acordo 4h30 da manhã, tomo um suco, como uma bolacha e pego o barco que passa lá em casa 5h. Aí chego na escola umas 7h — diz Paulo André Silva, de 10 anos.

Em 2005, só três dos mais de de 700 professores da rede municipal de Afuá tinham formação adequada para estarem em sala de aula. Isso significa que eles possuíam apenas o ensino médio. Naquele momento, começavam a chegar os polos de educação a distância na cidade e o cenário começou a mudar. Atualmente, segundo a secretária Kelly Cristina Salomão, só não têm o curso de licenciatura ou de pedagogia aqueles que estão afastados das salas de aula.

— Com certeza, a gente não teria esse patamar sem a formação a distância. Mas ainda acho que o ensino presencial, a vivência, dá mais experiência. O aluno precisa ter consciência. Para aprender, tem que querer — opina a secretária.

Apesar deste ser ainda um campo em disputa, alguns pesquisadores apontam que, além da maior dependência do aluno, a modalidade tem um potencial de aprendizagem menor do que o presencial. Artigo de 2021, dos pesquisadores Julio Bertolin, Helio Radke Bittencourt e Tristan McCowan, publicada pela University College London, apontou que alunos de pedagogia no Brasil aprendem substancialmente menos quando fazem o curso de forma on-line, de acordo com dados do Enade.

Outras análises, no entanto, apostam que ambientes de aprendizagem inteligentes têm potencial para personalizar os cursos de tal forma que facilitem o aprendizado de seus estudantes — num modelo híbrido, individual e flexível. Além disso, em situações excepcionais como a do Marajó, cumpre seu papel de interiorização em regiões muito afastadas de grandes centros urbanos.

As plataformas inteligentes, no entanto, ainda não são majoritárias no país. O modelo mais comum é a disponibilização de material didático escrito com ambientes virtuais nas quais professores e tutores estão disponíveis para resolverem dúvidas. Também estão previstos estágios em sala de aula e provas presenciais obrigatórias.

Resiliência

Na avaliação do reitor da Uninter, Benhur Etelberto Gaio, os profissionais formados a distância têm sido mais procurados pelo mercado de trabalho por apresentarem mais resiliência.

— A maior parte desses estudantes trabalham ao mesmo tempo. Essa condição garante com que eles desenvolvam habilidades que fazem com que quem teve bom aproveitamento do curso se destaque muito nos empregos — conta.

No Jupaty, Roseli Lobato Macedo, de 21 anos, e a mãe, Rosilene da Silva Macedo, de 47, vão semanalmente para a floresta coletar murumuru, uma semente que, depois de seca e quebrada para a retirada da casca, é vendida a quilo para a produção de cosméticos por gigantes do setor. Com esse dinheiro, a família paga os estudos da filha, a primeira da casa de nove filhos a fazer uma faculdade, o orgulho da mãe.

— Como a gente não tem condição de pagar, combinamos com ela que iríamos juntas quebrar murumuru para ver se conseguimos pelo menos a metade do boleto. Tem mês que a gente paga no prazo certo, mês que atrasa e negocia. Mas vamos levando. Para mim, é um orgulho. Meu Deus, minha filha fazendo faculdade — suspira a mãe. — Quando soube que vocês viriam, eu sorri para ela, feliz de vocês verem o tanto de longe que é e o empenho para ela se formar. Ela diz: “Mãe, eu tenho história. O dia que eu me formar tenho muito para falar com meus alunos”.

Roseli já fez três anos do curso de Pedagogia. Ela tem internet em casa, mas nem sempre funciona. Quando isso acontece, tenta ir na escola da vila para conseguir conexão, alternativa que, no entanto, também não é garantida. Nesses casos, pega a rabeta até Afuá (duas horas e meia de viagem por R$ 200, metade do boleto mensal da faculdade) ou o catraio (R$ 40 e seis horas de travessia).

A discussão da formação a distância é importante no Brasil porque o país vive uma explosão, especialmente nas universidades privadas, de professores formados nesta modalidade.

O último Censo de Educação Superior, divulgado neste mês, mostrou que o número de concluintes a distância chegou ao dobro dos que fizeram o curso presencial. Foram 189,7 mil formados no EAD e 93,8 mil na modalidade tradicional. Há dez anos, o cenário era o exato oposto: 75,6 mil contra 148,2 mil. O cenário preocupa a equipe de transição do próximo governo federal, que, nesta semana, criou um grupo específico para debater o tema.

— O Brasil precisa de um processo de concertação sobre a formação inicial de professores, com diálogo com todos, das universidades públicas às mantenedoras de instituições privadas, para formar uma nova geração deles — defende César Callegari, ex-secretário de Educação Básica do MEC e integrante da transição.

De acordo com Priscila Cruz, garantir formação inicial de qualidade é um dever do que o MEC toda a possibiliade de garantir. No entanto, a presidente executiva do Todos Pela Educação, que também faz parte do grupo de transição do novo governo, o que tem que se fazer agora é trilhar um caminho difícil.

— O caminho difícil é exigir, não com penalidades, mas por meio de outros incentivos e uma regulação mais bem feita das instituições, para garantir uma oferta de formação de professores que esteja alinhada com a necessidade educacional brasileira — defende.

*O repórter viajou à Afuá a convite da Uninter

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