Alunos transgêneros superam discriminação e entram na universidade com curso gratuito

Reintegrar esse grupo ao ambiente escolar é um dos objetivos do PreparaNem, em Niterói (RJ)

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Por Maria Clara Joia Bezerra Pestre
Atualização:
Militante LGBT segura bandeira do movimento Foto: Luis Eduardo Noriega A. / EFE

Ser chamado por um nome com o qual você não se identifica. Usar banheiros que não correspondem à sua identidade de gênero. Virar alvo de piada, discriminação e, muitas vezes, violência. A realidade que alunos transgêneros enfrentam desde os níveis mais básicos da educação no Brasil se reflete no ensino superior, onde há baixa representatividade e muitos desafios.

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Para mudar esse cenário, foi criado em 2016 o curso PreparaNem de Niterói, no Estado do Rio, no qual professores voluntários ajudam alunos LGBT a estudar para o Enem, concursos públicos e cursos profissionalizantes. O objetivo é reintegrar essa população no ambiente escolar depois de trajetórias difíceis no ensino básico, explica Bruna Benevides, coordenadora do curso.

Dentro das salas de aula, a preparação para as provas é acompanhada por debates sobre racismo, machismo e discriminação contra a população LGBT. “Fazemos um trabalho de empoderamento e fortalecimento para que as pessoas se reconheçam como cidadãs e possam reivindicar, a partir da entrada no mercado formal ou mesmo na universidade, os direitos que lhes têm sido historicamente negados”, disse Bruna.

Ex-aluna do curso, Luana Santos tem 23 anos e hoje estuda Biblioteconomia na Universidade Federal Fluminense (UFF). Aos 18, se identificou publicamente como mulher transexual. “Acho que foi mais difícil assumir para a minha família. Principalmente para o meu pai”, diz Luana. “Essa foi a primeira vez em que ele bateu em mim. Fui para uma praça lá perto de casa e passei a noite lá.”

Na escola, a situação também era difícil. “A maioria dos professores não queria reconhecer a minha identidade de gênero. E os alunos muitas vezes achavam que eu estava brincando, que era uma frescura”, conta Luana.

A realidade vivida por ela não é exceção entre alunos transgêneros no Brasil. Segundo pesquisa da Secretaria de Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), publicada em 2016, 68% dos alunos LGBT já foram agredidos verbalmente na escola por causa de sua identidade ou expressão de gênero.

Desde que foi criado, o PreparaNem já ajudou 76 alunos nessa situação e tem uma taxa de aprovação de 70%, fortalecendo a presençade pessoas transgênero na universidade. Hoje, essa representatividade ainda é pequena, afirma Keila Simpson, presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

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"Essa população ainda está muito distanciada do ensino superior, da formação", diz a ativista. "Cursar uma faculdade para uma pessoa trans é quase vencer uma batalha contra tudo e contra todos."

Essa vitória já é realidade para Luana que hoje até sonha em fazer uma segunda faculdade. Para Keila, casos como o dela serão mais comuns. “Teremos mais pessoas trans formando, cada vez mais pessoas trans sendo protagonistas das suas próprias histórias."

*É finalista do 13º Prêmio Santander Jovem Jornalista

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