Alunos ficam sem aula de biologia, história e química no 3º ano do novo ensino médio em SP

Professores e estudantes reclamam da substituição de conteúdos tradicionais por itinerários

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São Paulo

Com a implementação do novo ensino médio, estudantes das escolas estaduais de São Paulo estão sem aulas de história, geografia, biologia, química e física no último ano dessa etapa de ensino. A nova grade curricular também só prevê duas aulas por semana de matemática e duas de português.

São Paulo foi o primeiro estado a implementar as mudanças curriculares previstas pela lei do novo ensino médio. O então governador João Doria quis ser o pioneiro do modelo e, por isso, decidiu começar o processo um ano antes do restante do país. Assim, as alterações entraram em vigor no primeiro ano do ensino médio em 2021, no segundo ano, em 2022 e, no terceiro ano, em 2023.

Professores e alunos, no entanto, têm reclamado da ausência das disciplinas regulares que foram substituídas por matérias dos itinerários formativos. Ao todo, cerca de 400 mil estudantes da rede estadual estão no último ano do ensino médio —eles serão os primeiros do país a concluir essa etapa com o novo currículo.

Laura Neris, 17, diz se sentir despreparada para fazer o Enem com a redução das disciplinas regulares - Danilo Verpa/Folhapress

Em nota, a Secretaria da Educação, da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), diz que estuda ajustes na grade curricular. A pasta defende a oferta de menos itinerários e novas abordagens "de forma a garantir direitos", mas não indica se pretende ampliar a carga horária de disciplinas regulares.

A matriz curricular definida pela secretaria na gestão Doria concentrou as disciplinas das áreas de humanas e ciências da natureza nos dois primeiros anos do ensino médio. Assim, quando os alunos chegam ao último ano, passam a maior parte do tempo na escola com aulas dos itinerários.

Com o currículo antigo, os alunos tinham duas aulas por semana de cada uma dessas disciplinas em todos os três anos. Agora, no terceiro ano, não dispõem mais das aulas de química, física, biologia, história, geografia, filosofia e sociologia.

A carga horária de matemática e português também sofreu redução de 60% no último ano. Antes, eram cinco aulas por semana de cada uma delas. Hoje, são duas.

A redução ocorreu para dar espaço aos itinerários formativos —parte do currículo que, em tese, permite a alunos optar por uma área do conhecimento para aprofundar os estudos. O problema é que, conforme mostrou a Folha, em muitas escolas estudantes não têm tido a opção de escolha.

Alunos também reclamam que as disciplinas formuladas para os itinerários estão descoladas do conteúdo tradicional que é cobrado no Enem e nos vestibulares.

"Eu estou no último ano do ensino médio, devia estar me preparando para fazer o Enem, ter aulas do conteúdo que vai cair na prova. Mas chego à escola e só tenho aulas sem sentido, que não ajudam em nada", queixa-se Laura Neris, 17, aluna da escola estadual Dom Pedro I, na zona leste da capital.

A jovem diz que quer cursar história na faculdade e, por isso, quando estava no primeiro ano do ensino médio, optou pelo itinerário de ciências humanas. Ela acabou direcionada pela escola para um itinerário chamado "Quem divide, multiplica", que, segundo a ementa, reuniria conteúdos interdisciplinares de humanas e matemática.

"As aulas são confusas, os professores não sabem que conteúdo abordar", afirma a estudante.

A Folha conversou com professores de escolas estaduais da capital e do interior que relatam sentir alunos mais desmotivados com os estudos. Para eles, as mudanças desorganizaram a grade curricular e esvaziaram os conteúdos escolares, fazendo com que os jovens não vejam sentido nas aulas.

Um professor de geografia de uma escola estadual, da zona norte paulistana, diz que a redução da carga horária de sua disciplina o forçou a assumir muitas aulas dos itinerários. Ele tem lecionado 12 matérias diferentes, recém-criadas, e nenhuma delas aborda os conteúdos de geografia.

O docente, que pediu para não ser identificado, afirma que em alguns momentos ignora o conteúdo das novas disciplinas para ensinar geografia, pois considera injusto que seus alunos não aprendam o que deveriam.

Segundo educadores, as mudanças têm exigido a busca de novas formas para motivar os alunos e encontrar alternativas para as lacunas de aprendizado.

Rebecca Cruz, 18, começou a fazer um cursinho popular em Guarulhos, na Grande São Paulo, aos sábados por indicação de um professor. "Ele viu que eu estava desanimada com as aulas e me deu a ideia de procurar um cursinho. É o que tem me dado esperança de que conseguirei passar no Enem, porque na escola não estou aprendendo nada", diz a estudante, que pretende cursar jornalismo.

Especialistas afirmam que, com a redução das aulas de disciplinas regulares e sem que os itinerários consigam abarcar os conteúdos tradicionais, o novo ensino médio deve piorar ainda mais os baixos índices de aprendizagem nessa etapa e aprofundar as desigualdades educacionais.

"As escolas particulares continuam ofertando todas as disciplinas regulares em todos os anos. Elas não abandonaram essas matérias porque sabem que precisam preparar seus alunos para os vestibulares", diz Anna Helena Altenfelder, presidente do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação).

A Folha consultou cinco escolas particulares de São Paulo. Todas reduziram a carga horária de disciplinas regulares, mas as mantiveram nos três anos.

Para Alexandre Schneider, pesquisador da FGV e ex-secretário municipal de educação de São Paulo, a redução dessas aulas é consequência de uma falha na concepção da lei do novo ensino médio, que limitou a oferta de disciplinas tradicionais para priorizar os itinerários.

"Se o país já não conseguia garantir que os alunos aprendessem o adequado em matemática e português com a carga horária antiga, como esperar que vai haver melhoria com a redução dessas aulas? A lei tem falhas na concepção, e o resultado é uma precarização ainda maior do que é oferecido aos alunos."

Na avaliação de Rossieli Soares, que era secretário da Educação de São Paulo na época em que novo ensino médio foi definido para as escolas paulistas, "não há esvaziamento da formação" dos estudantes.

"A rede estadual definiu por não ofertar os itinerários na primeira série do ensino médio e concentrar mais na terceira série pelo fato de o estudante estar com mais maturidade e autonomia, dando a ele mais oportunidade de se aprofundar nas áreas de seu interesse nesse estágio de conclusão", afirma ele, que hoje é secretário de Educação do Pará.

"Na verdade, o estudante tem a mesma carga horária de aulas, com mais aulas dos itinerários, que aprofundam o conhecimento da área de conhecimento da escolha dele."

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