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Alunos do ensino médio vivem dias de cientista em expedições no exterior

Adolescentes ajudam pesquisadores a coletar dados sobre fauna e flora locais em uma espécie de iniciação científica; atividade, feita nas férias, é opcional e tem custo extra - preço de temporada na África do Sul, por exemplo, é de cerca de R$ 6,9 mil

Por Julia Marques
Atualização:
Sofia Larrabure se prepara para viagem que vai fazer a Honduras Foto: Felipe Rau/Estadão

Nas férias de julho do ano passado, Leonardo Castilho, de 17 anos, viajou para a África do Sul - mas não foi a passeio. O jovem ajudou cientistas a coletar dados sobre a biodiversidade na savana e no mar. Leonardo faz parte de um grupo de estudantes de colégios particulares de São Paulo que se envolvem em expedições científicas fora do País. As experiências colocam os adolescentes em contato com pesquisadores e cara a cara com aquilo que antes só tinham visto nos livros ou nas telas. 

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No caso de Leonardo, foram 15 dias de viagem - roteiro compartilhado com colegas de escola e o professor. Lá, também conheceu alunos da mesma idade que vinham da Malásia e da Nova Zelândia, e cientistas de várias partes do mundo. Juntos, fizeram excursões em uma reserva com grandes mamíferos, como elefantes e rinocerontes, e mergulhos na Baía de Sodwana, na costa leste sul-africana. 

A diversão era só um detalhe. “Ficávamos focados na observação de animais, plantas e aves para ajudar os cientistas a catalogar e manter o controle da fauna e da flora local”, explica Leonardo. As atividades começavam cedo - até para o professor que acompanhou os alunos. “São duas semanas de trabalho muito intenso. Acordávamos às 5 horas”, diz Henrique Bovo, coordenador do ensino médio do Colégio Rio Branco, em Higienópolis, na região central. 

Todo o esforço era recompensado por experiências raras. “Estava mergulhando e comecei a ouvir algo. Então, vi uma baleia. Foi sublime”, lembra Leonardo, que cursa o 3.º ano. O Rio Branco tem parceria com a Operation Wallacea, uma organização inglesa que reúne cientistas em áreas como Genética, Botânica e Estatística. Esses pesquisadores acompanham alunos de ensino médio nas expedições, que funcionam como uma espécie de iniciação científica. 

“Os alunos ficam entusiasmados. É o primeiro contato com ciência de verdade. E levam isso muito a sério”, afirma Nayara Hachich, diretora da Wallacea no Brasil. Lado a lado com cientistas, reúnem informações e fazem registros sobre espécies locais - dados que servirão para atividades de conservação e pesquisas científicas futuras. “Em uma expedição no Peru, uma aluna achou uma espécie de borboleta que acham que é nova. Se for mesmo, vai ganhar o nome dela. A aluna voltou saltitante”, conta Nayara. 

Desde 2015, a Wallacea no Brasil já acompanhou cerca de 160 estudantes de ensino médio, e neste ano o total de viajantes deve chegar a 200, de 15 escolas. Realizada nas férias, a atividade é opcional e tem um custo extra. A temporada na África do Sul, por exemplo, custa US$ 1,9 mil (cerca de R$ 6,9 mil) - sem contar passagens áreas. 

Sofia Larrabure, de 16 anos, e alguns colegas já se preparam para a viagem, no meio do ano. Eles vão a Honduras, onde ficarão acampados na floresta e mergulharão na região de recifes. Antes de embarcar, Sofia estuda sobre o que verá no país. “Recebi textos para me preparar”, diz a aluna do 2º ano do Colégio Stockler, no Brooklin, zona sul. Ela planeja desenvolver um projeto de pesquisa próprio sobre os corais de lá. 

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Para Thiago Rosa, professor de Biologia do colégio, é uma chance de contato de adolescentes urbanos com a natureza. “Para o aluno que está no meio da cidade, falta o corpo a corpo com outras espécies. Para mim, é mais conteúdo e repertório para trabalhar em sala de aula.”

Zezo dá aulas de Biologia no meio da Amazônia Foto: Marcos Eugênio/Estadão

Amazônia e Alasca. Professor do Colégio Poliedro de São José dos Campos, Paulo Sawaya, o Zezo, é outro que não esconde o gosto de ver estudantes no meio da mata. É embaixo de árvores da Amazônia - neste caso, em solo brasileiro mesmo -, que ele dá suas melhores aulas. “Passamos dois dias inteiros na floresta. Levamos equipamentos para medir temperatura, iluminação. Fazemos medição de folhas, estudo de solos. Pegamos amostras e fazemos microscopia.” Ele já levou alunos ao Alasca e ao Grand Canyon, nos Estados Unidos.

O projeto de Zezo foi incorporado ao calendário da escola e, desde então, quase mil alunos já viajaram. Além da parte de biologia, os alunos participam de ações de auxílio a comunidades indígenas e ribeirinhas. “Despertou em mim um lado mais humanitário que não sabia que tinha”, conta Luiza De Crescenzo Jorge, de 17 anos, que foi à Amazônia em 2017 e repetirá a experiência neste ano. 

‘Na viagem,descobri o que queria fazer’

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No meio da savana sul-africana, Victor Castanho, de 18 anos, só confirmou o que sempre soube: deseja ser pesquisador. Foi lá que, durante uma expedição científica, o estudante viu que o que ele já fazia desde criança de forma quase intuitiva se aproximava do que chamamos de ciência.

“Na África, a gente andava de carro, via animais e anotava as coordenadas geográficas, a espécie, a quantidade de indivíduos. Isso eu fazia no meu condomínio”, conta o jovem. 

“Sou um bird-watcher (observador de aves). Quando descobri que tínhamos de fazer exatamente isso na África, fiquei maluco”, lembra o estudante, que participou da Operation Wallacea no ano passado, quando currava o terceiro ano do ensino médio no Colégio Rio Branco. 

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A experiência mudou sua trajetória. De volta ao Brasil após a expedição, Castanho agora se prepara para uma nova viagem - dessa vez mais longa: estudará Biologia na Universidade Columbia, nos Estados Unidos, a partir de setembro. 

“Vi que esse trabalho tem um impacto muito forte. Vou poder viajar o mundo, ajudar diferentes culturas. Quero ser um pesquisador, mas ter contato com a população, mudar de fato as coisas”, diz. Ele acredita que a experiência científica ajudou no processo de admissão na universidade americana. As instituições no exterior valorizam o engajamento de estudantes em atividades de pesquisa e projetos internacionais.

Grellet foi ao Alasca com o colégio há dois anos Foto: Paulo Sawaya (Zezo)

Marinha. O estudante Gabriel Grellet, de 18 anos, descreve uma expedição que fez com colegas e professores do Colégio Poliedro ao Alasca em 2016 como “a viagem de sua vida”. E não é para menos. Foi lá que ele teve certeza do que queria fazer: divulgação científica. 

Fã de documentários como os da National Geographic, ele se sentiu dentro de um deles quando, há dois anos, fez uma espécie de cruzeiro pelo Estado americano. Não demorou para que o estereótipo de “gelo sem fim” do Alasca desse lugar à admiração pela exuberância. “Acordávamos 5h30 com um espetáculo. Era só chegar cedo, ficar no deck do barco e observar. Em dias de sorte, vimos oito, dez baleias”, lembra. 

Em trilhas no meio da tundra, vegetação típica da região, alunos debatiam questões climáticas e lembravam conceitos como reprodução de plantas e composição do solo. Também conversavam com a comunidade local. “Além de me mostrar o campo que quero seguir, esse tipo de viagem cria empatia. Ficou mais fácil aprender”, diz ele, hoje aluno de Biologia Marinha na Universidade Estadual Paulista (Unesp).

‘Nem sempre a ciência precisa de sofisticação’

Trabalho de campo no exterior é uma forma privilegiada de desenvolver competências científicas, mas não é a única. Atividades no entorno da escola, de contato com fenômenos do cotidiano, também cumprem esse papel. “Muitas vezes a prática científica não precisa de um laboratório sofisticado”, diz Luís Carlos de Menezes, professor da Universidade de São Paulo (USP). 

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Como esse tipo de contato in loco e com cientistas acrescenta à formação dos estudantes? O convívio com outra língua e cultura por si só já é muito interessante: é um privilégio, é olhar o mundo de outra latitude. Se isso for feito de uma forma que lembra a iniciação científica, aumenta ainda mais a vantagem desse tipo de viagem. Não há melhor maneira de fazer a escolha de sua carreira se não tendo a ideia de como se pratica a ciência. 

Como o aluno que participa disso chega à universidade?  O conceito do que é fazer ciência e o convívio com cientistas em ação preparam o espírito. Ele vai com a motivação correta. Até por isso, pode chegar mais exigente (à universidade), o que é bom. 

É possível adaptar expedições para ambientes mais próximos? Certamente. Muitas vezes a prática científica não precisa de um laboratório sofisticado. Compreender as radiações que usamos, por exemplo, é olhar para a ciência que está nas tecnologias do cotidiano. 

Os estudantes hoje demandam mais vivências práticas? A escola tem de perder a ideia de que o professor é o sábio. Ele vai orientar para buscar, apresentar situações-problema. O aluno gosta de ser desafiado e não entediado. 

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