Por Alexandre Henderson e Eliane Maria, RJ1


Adesivos racistas são encontrados em campus da UERJ

Adesivos racistas são encontrados em campus da UERJ

Alunos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) em São Gonçalo, na Região Metropolitana, denunciam que mensagens racistas foram coladas em um banheiro na instituição de ensino. Os recados diziam "estupro de pretas" e "fim das cotas".

O cartaz foi colado no banheiro masculino do bloco A, depois de um protesto que aconteceu na semana anterior que tinha como slogan "cota não é esmola". A manifestação aconteceu depois que uma aluna do curso de pedagogia foi ofendida por outra estudante.

"Nós estávamos numa aula de geografia e, de repente, começou uma discussão generalizada, com a aluna que me atacou. E, do nada, no meio de todos os que estavam discutindo, ela me escolheu para me atacar. Ela já sabia que eu era cotista racial da instituição e daí ela se levantou, veio até a minha mesa e falou: 'você não foi à Uerj Maracanã buscar as suas bolsas?'", contou a estudante, que não quis ser identificada.

Ela diz que se defendeu e foi ameaçada.

"Ela começou a falar assim: você é favelada? Eu também sou. E começou a fazer ameaças citando o nome de comunidades. Eu não teria problema nenhum em morar em favela. O problema é quando usam isso para nos atacar. Nos xingar de forma pejorativa", disse a aluna.

A universitária foi à 73ªDP (Neves), em São Gonçalo, e registou o caso como injúria racial e ameaça.

A Polícia Civil disse que está ouvindo testemunhas por causa da aluna que sofreu ofensas e ameaças. Sobre os cartazes, a polícia afirmou que a Uerj não registrou o caso.

A Uerj foi a primeira instituição de ensino superior a adotar o sistema de cotas. A universidade inclusive serviu de inspiração para a lei federal sobre o tema. Desde 2000, há cotas para alunos de escolas públicas e em 2001, começou o programa de cota racial.

A estudante de ciências biológicas Estér Lima protestou contra as situação, principalmente em uma universidade, um espaço aberto ao conhecimento e pesquisa das relações humanas.

"É uma situação que a gente vem vivenciando a vida toda desde o momento em que a gente nasce como uma pessoa preta. E ainda você chegar num ambiente acadêmico, que é totalmente elitizado, naturalmente, e vivenciar essas situações é péssimo", disse Estér.

Alunos pedem punição

Alunos da Uerj de São Gonçalo denunciam que mensagens racistas foram coladas em banheiro da instituição — Foto: Reprodução/ TV Globo

A coordenadora-geral do DCE, Jéssica Lima, afirma que a instituição afirma que é necessária uma mudança para a punição mais efetiva de casos de racismo.

"A universidade tem um código de ética que pune qualquer servidor que ataque um aluno, servidor com servidor. Mas eles não têm diretamente alunos com alunos", disse Jéssica.

João Pedro de Oliveira, aluno de história, critica a forma como a universidade lida com este tipo de caso.

"Eles falam: 'Ah, tem que denunciar não sei aonde'. A gente vai, denuncia e não dá em nada. Então, as pessoas começaram a desistir, não seguem à frente com a luta", disse João Pedro.

O especialista em direitos humanos e relações raciais, Renato Ferreira, disse que importante apurar e reprimir condutas racistas.

"É muito importante destacar que para além de apurar e reprimir essas condutas para que elas não mais aconteçam, é importante muito prevenir esses casos. E a universidade deve criar rodas de conversas, seminário, ampliar o debate e manter um canal de diálogo aberto de maneira constante com os estudantes, principalmente os cotistas", afirmou Ferreira.

Sindicância

A direção da Faculdade de Formação de Professores afirmou que, mesmo com o sistema de cotas há mais de 20 anos, não há um regimento na Uerj que estabeleça punições para casos como os que aconteceram na instituição.

"Primeiro apurar efetivamente o que houve e dar o prosseguimento institucional. O que a gente pode fazer? Instaurar uma sindicância inicial, fazer o levantamento do que aconteceu na turma, ouvindo os alunos. Nesse caso, ele extrapola até o campus da universidade, porque ele é crime. Eu estou há 41 anos dentro da universidade, da Uerj, e nunca soube de caso de expulsão de aluno", disse Marisa de Paula Assis, vice-diretora da Faculdade de Formação de Professores.

A diretora da Faculdade de Formação de Professores, Ana Maria Santiago, também destacou que também é preciso estar atento a outros conflitos que existem no ambiente acadêmico.

"É uma questão muito séria. A questão racial, ela está presente nesse caso, mas existem outras questões que são comuns. Misoginia, agressões de namorados, que precisam também ser apuradas, entendeu? A aluna que se sentiu agredida foi à polícia acompanhada do professor que estava na sala e da assistente social. Quer dizer, a unidade deu esse apoio", afirmou Ana Maria.

A estudante ofendida lamentou os casos de ofensas racistas na instituição.

"Nós estamos em espaços que, a algumas décadas atrás, nós não estávamos. E é claro que a política de cotas ajudou muito nisso, né? Se entramos por política de cotas ou não, somos alunos, somos cidadãos e temos esse direito. É como se nós, pretos, não tivéssemos que estar aqui dentro. E não é o caso. Mesmo nós sabendo que temos direito sim de estar aqui, a gente sente como se aqui não fosse o nosso lugar. Mas nós sabemos que é sim o nosso lugar. Não só aqui, mas onde nós quisermos estar e ocuparmos é sim o nosso lugar", disse a estudante.

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