Alunos de baixa renda sofrem para acessar conteúdo escolar pela internet em Ribeirão Preto
No lugar da carteira, o sofá acomoda a estudante da rede estadual Maria Eduarda dos Santos de Lima. Na casa em que a aluna de 13 anos vive com a avó e a mãe em Ribeirão Preto (SP), ela divide o mesmo celular com os irmãos e nem sempre consegue usar a internet para ter acesso a conteúdos online e não parar os estudos desde que a escola foi fechada por causa da pandemia da Covid-19.
"É muito difícil, porque não é a mesma coisa. Falta muito material, a gente estuda com um celular só e a internet às vezes falta muito", diz.
Uma das alternativas encontradas pelas escolas para amenizar o contágio do novo coronavírus, as aulas à distância escancaram as dificuldades sofridas por alunos de comunidades mais pobres, com dificuldade de acesso a recursos como internet e equipamentos eletrônicos, essenciais para a utilização de aplicativos que disponibilizam as aulas.
Dirigente regional de Ensino em Ribeirão Preto, Darlene Stocco Colonese Gonçalves afirma que, após a pandemia, as autoridades farão um diagnóstico para avaliar os alunos que não conseguiram acompanhar o plano pedagógico à distância, garantir a recuperação dos conteúdos perdidos e evitar a evasão por meio de aulas no contra-turno e contratação de professores.
"Vamos tentar de todas as maneiras trazer todos esses alunos ao mesmo aprendizado", diz.
Maria Eduarda dos Santos de Lima (ao centro) e sua família em Ribeirão Preto (SP) — Foto: Reprodução/EPTV
Sem acesso à internet
Um estudo do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic) mostra que entre os mais ricos, 96,5% das casas têm sinal de internet, enquanto entre os mais pobres 59% não conseguem navegar na rede.
Na casa de Maria Eduarda, o único celular disponível é o da avó, que trabalha fora. Os netos precisam esperá-la voltar para pegar o aparelho. Além disso, no bairro onde vivem, o sinal para rede de dados nem sempre chega.
"Não tem internet, não tem celular e não tem condição de comprar, porque ganho muito pouco, o que ganho dá pra comprar alimentação. Eles ficam brigando, mas como vão fazer se não tem um celular, um tablet, nada?", afirma a auxiliar de limpeza Maria Margarida dos Santos de Lima.
Para especialistas como o educador José Eduardo de Oliveira, a pandemia do novo coronavírus revela a desigualdade do ensino brasileiro. Ações emergenciais, segundo ele, são realizadas, mas não chegam a todos da mesma forma.
"O problema não é a estratégia e a questão metodológica. A proposta veio mostrar as diferenças e mazelas que a educação e políticas educacionais como um todo já tinham. (...) Quando isso bate no ensino público nem todas as crianças têm o mesmo recurso. Moral da história: o buraco aumentou", diz.
Dentro desse contexto, a falta de acesso tecnológico é apenas um dos problemas que acompanham a adoção da educação à distância. Sem aulas presenciais, muitos estudantes também perderam a principal refeição do dia, até então garantida pela merenda escolar.
Segundo a assistente social Ana Paula Cavalcanti, o alimento chega a ser considerado um luxo em parte das 130 famílias de baixa renda que acompanha em Ribeirão Preto.
"No início da pandemia, as famílias ficaram muito preocupadas com o próprio sustento e essa preocupação passa para as próprias crianças, que às vezes não têm o próprio alimento, acordam e não têm o café-da-manhã, o almoço, a janta. Essas crianças vivem em um mundo paralelo, vivem com preocupação de adultos", diz.