Educação

Por Renata Bitar*, G1 SP — São Paulo


Foto de arquivo da fachada do Conjunto Residencial da USP (Crusp) na Cidade Universitária, Zona Oeste de São Paulo — Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Alunos da Universidade de São Paulo (USP) criticam a adoção do ensino à distância como substituição às aulas presenciais durante o período de quarentena no combate à epidemia do novo coronavírus. O método foi divulgado como solução definitiva pela instituição nesta quarta-feira (29), mas já vinha sendo utilizado desde 17 de março, quando o prefeito Bruno Covas (PSDB) decretou estado de emergência na capital.

“Acho que a questão do EAD (ensino à distância) está sendo levada à frente sem planejamento e organização”, afirma Ana Paula Dias, estudante de Relações Públicas na USP. “Acredito que o papel da universidade seja pensar, acima de tudo, na qualidade da nossa formação”, afirma a jovem.

Os alunos de baixa renda são a parcela mais prejudicada pela adoção das aulas online, uma vez que muitos não possuem computadores ou até mesmo acesso livre à internet, como é o caso dos moradores do Conjunto Residencial da universidade (Crusp).

Segundo a USP, para resolver a situação dos estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, foram distribuídos 260 "kits internet", que consistem em um chip para celular ou modem portátil com interface USB, ambos habilitados para um consumo de 20 GB de internet por mês. Contudo, esses kits só foram oferecidos para moradores do Crusp, que representam apenas uma parcela dos alunos de baixa renda que compõe o corpo discente da universidade.

"É um plano mal elaborado, mal estruturado, que não dialoga com as nossas realidades. Eles não buscam entender o que a gente está passando nesse contexto (de pandemia), como a gente está estudando, de quanta internet a gente precisa", afirma Cintia Silva, estudante da Faculdade de Educação da USP, destacando que o consumo de internet varia de acordo com as plataformas utilizadas pelos professores e com o formato como o material didático que é disponibilizado online.

Além da insegurança relacionada à pandemia da Covid-19, alguns moradores do Crusp também temem ser prejudicados caso não consigam acompanhar as aulas online. “Não temos sequer previsão de volta à normalidade, quiçá quais as garantias de não prejudicar quem mora no Crusp”, diz Gustavo Raime Santos, bacharel em Odontologia.

A pandemia no Crusp

Os cerca de 1,2 mil alunos de graduação e pós-graduação que moram no Conjunto Residencial da USP encaram problemas de infraestrutura para conseguir realizar o distanciamento social recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Para se alimentar, os moradores do Crusp devem caminhar cerca de um quilômetro até a unidade do restaurante universitário que está aberta, localizada próximo ao Instituto de Química. Segundo a USP, as cozinhas da moradia estudantil não funcionam e, mesmo que funcionassem, não poderiam ser utilizadas por serem consideradas pontos de aglomeração.

"A questão do Crusp é muito complexa. Aqui a gente tem pessoas com diferentes necessidades. Tem muita gente do grupo de risco que mora aqui e não está indo pegar as marmitas por medo de se expor", relata Ana Paula Dias.

Aglomeração nas salas de estudo do Crusp durante pandemia do coronavírus — Foto: Arquivo pessoal

De acordo com os estudantes, as salas "Pró-Aluno", que disponibilizam computadores, estão fechadas. Então, os universitários dependem da colaboração daqueles que possuem os aparelhos para conseguir realizar suas atividades acadêmicas, o que acaba gerando aglomerações nas salas de estudo.

Porém, mesmo com o compartilhamento de notebooks, ainda há uma parcela dos habitantes do Crusp profundamente afetada: as mães universitárias.

Sala pró-aluno fechada na USP durante pandemia — Foto: Arquivo pessoal

"Bloco das Mães"

Oficialmente, a USP considera que existem apenas 12 famílias com crianças na moradia estudantil, mas, na realidade, este número está próximo de 50, conforme relatado pela também representante do "Bloco das Mães", Cintia Silva.

Segundo a estudante da Faculdade de Educação, as crianças já estão há mais de um mês dentro dos apartamentos de 25m², sem poder sair para estudar ou brincar, o que as tem deixado muito estressadas.

"Bloco das mães" no Crusp — Foto: Arquivo pessoal

Por conta da preocupação com os filhos, as mães que residem no Crusp têm respeitado ao máximo o distanciamento social, isolando a área em que vivem e proibindo a entrada de terceiros, como os profissionais de limpeza, tomando esta responsabilidade para si.

A retirada dos "kits internet" também é inviável para essas mães, principalmente as que têm filhos pequenos, uma vez que não querem expor as crianças à possibilidade de contaminação pelo coronavírus, assim como não podem deixá-las sozinhas em casa. Como os kits só podem ser entregues às pessoas a que são destinados, muitas mães estudantes têm suas vidas acadêmicas prejudicadas. "A USP não está preparada para lidar com mães", afirma Cintia.

Uma das questões que mais preocupam as mães, neste momento, é a alimentação. De acordo com a USP, marmitas estão sendo preparadas pelo bandejão que permanece aberto e levadas pela Guarda Universitária até a porta do bloco das mães, garantindo a alimentação das famílias. Porém, as estudantes afirmam que as refeições não foram pensadas para atender a mães e filhos, e que somente as 12 famílias "legalizadas" pela instituição estão recebendo o serviço.

"A Universidade não consegue pensar nem nos seus alunos que não têm filhos, muito menos em mães que tem seus dependentes", afirma a representante das mães do Crusp.

O que diz a USP

Em nova nota enviada após a publicação desta reportagem, a USP afirmou que "atualmente, 90% das disciplinas ministradas pelos cursos de graduação no primeiro semestre do ano estão sendo oferecidas de forma on-line, com a utilização das plataformas e-Aulas e e-Disciplinas e 945 disciplinas dos programas de pós-graduação estão sendo ministradas no formato não presencial."

Sobre os kits de internet, a instituição diz que "diferentemente do que consta na matéria, foram distribuídos 381 'kits internet' aos moradores do Crusp. Importante citar que, do total de 1.600 moradores (e não 1.200, como citado na matéria), atualmente, devido à pandemia, cerca de 400 alunos estão no Crusp e a grande maioria voltou para casa. Também não é correto afirmar esses kits só foram oferecidos para moradores do Crusp. Alunos com necessidades socioeconômicas de todos os campi estão recebendo, sendo que 1.000 já foram distribuídos e há previsão de distribuição de mais kits a partir desta semana. As próprias Unidades de Ensino também estão apoiando esses estudantes com ações específicas."

Em relação à alimentação, a USP disse que "diariamente, os 400 moradores do Crusp têm à sua disposição café, almoço e jantar, totalmente subsidiados pela Universidade. No caso das mães, a Guarda Universitária leva as marmitas até os dormitórios."

Sobre o fechamento das salas Pró-Aluno, disse que os locais "têm os próprios estudantes como monitores e não deveriam estar fechadas. Os alunos também dispõem de salas com computadores cedidas pelas Unidades de Ensino e Pesquisa nas quais fazem seus cursos."

A respeito da dificuldade das mães, a USP afirma que "a Divisão de Creches distribuiu kits pedagógicos às crianças e colocou educadores e psicólogos à disposição dos pais."

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