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Alfabetização está entre as ações prioritárias dos cem dias de governo

MEC quer focar suas ações em método mais tradicional de ensinar a ler e escrever, em detrimento de abordagens construtivistas
O ministro da Educação, Ricardo Vélez, durante cerimônia de transmissão de cargo Foto: Luis Fortes/MEC/02-01-2019
O ministro da Educação, Ricardo Vélez, durante cerimônia de transmissão de cargo Foto: Luis Fortes/MEC/02-01-2019

BRASÍLIA — O Ministério da Educação (MEC) incluiu no pacote de projetos prioritários para os cem dias de governo Bolsonaro uma ação específica na área de alfabetização. A ideia é banir métodos globais de ensinar a ler e escrever, que costumam ser associadas à teoria construtivista de desenvolvimento cognitivo, para promover o método fônico.

No fônico, a aprendizagem começa das letras e sílabas até chegar às palavras. Nos métodos globais, o caminho costuma ser inverso, partindo de textos e experiências sobre as funções da linguagem para se chegar às letras e sons, mas focando na compreensão da leitura.

No Brasil, em geral se adota a abordagem construtivista, mas não há regra única. Especialistas divergem sobre a eficácia da medida planejada pelo governo e apontam que a combinação de diferentes técnicas com alfabetizadores bem formados é o mais importante.

Carlos Nadalim, mestre em Educação que assumirá a Secretaria de Alfabetização, é um defensor do método fônico. Em um blog que mantém sobre educação, ele critica o construtivismo como o "erro" do sistema educacional brasileiro.

Nas reuniões  do MEC, Nadalim já manifestou a intenção de focar as políticas da pasta em métodos de viés fônico. Entre a equipe, há a opinião de que as técnicas construtivistas têm caráter "ideológico". Nadalim é admirador do escritor Olavo de Carvalho, com quem aparece conversando em vídeo sobre alfabetização.

Ele faz propaganda em seu blog sobre método educacional que aplica em uma pequena escola de sua família, em Londrina. O colégio recebeu o prêmio Darcy Ribeiro de Educação, dado pela Câmara dos Deputados a experiências inovadoras, após uma campanha do deputado Diego Garcia (Pode-RR), defensor do "Escola sem Partido".

Nadalim também dá dicas no site a pais que querem educar os filhos em casa. A educação domiciliar, no entanto, foi proibida pelo Supremo Tribunal Federal até que haja lei com regras sobre como a modalidade deve ser regulada.

Embora o MEC não possa obrigar as redes municipais, responsáveis pela alfabetização, a seguir determinada técnica, tem o poder de formatar programas de apoio nos moldes que quiser. Essas ações, em geral, oferecem apoio -- como verbas extras e apoio pedagógico -- às secretarias de Educação, que para aderir aceitam as regras. A formação dos professores nas universidades públicas é outro alvo da nova gestão.

O alcance das mudanças, no entanto, é controverso entre especialistas. Doutora em linguística aplicada e professora titular da Universidade de Campinas (Unicamp), Angela Klein considera equivocado eleger um método para trabalhar, considerando a diversidade das crianças no Brasil, e defende o construtivismo como uma das práticas a serem consideradas.

— Não faz sentido falar em um método versus o outro. Você pode misturar técnicas, porque o aluno precisa aprender a palavra, ao mesmo tempo em que isso é associado à leitura de textos, ao aprendizado das funções da linguagem, com uso de bilhetes, do livro, do jornal. Isso é absolutamente necessário especialmente se no ambiente da criança não há o livro, o jornal, papeis para rabiscar— diz Klein.

O psicólogo João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto, afirma o contrário. Segundo ele, as técnicas alinhadas ao construtivismo, baseado numa proposta mais ampla de educação, pode atender bem as crianças que têm uma condição favorável em casa. Mas, tendo em vista a população carente do Brasil, ele defende o método fônico.

— O problema do construtivismo, que é uma proposta filosófica muito sedutora, mas ideológica, é que não há metodologia. E quando você aposta que o aluno construirá o conhecimento por si só, é uma crueldade com os de menor potencial cognitivo. Há estudos científicos apontando o fracasso da proposta — diz Oliveira.

Stella Maris Bortoni de Figueiredo, doutora em linguística e professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), discorda. Segundo ela, após a "moda do construtivismo", os próprios defensores da abordagem mostraram que era preciso "chegar à sílaba e ao fonema" para se ter resultados.

— Os caminhos ligados ao construtivismo trazem uma grande inovação, que é usar o texto do aluno, trazer a escola para aquilo que é familiar ao aluno, mantendo o compromisso de chegar ao fonema. Professores devem conciliar métodos globais e fônicos — destaca.

Maria Helena de Castro, ex-secretária-executiva do MEC no governo Temer, explica que os métodos fônicos têm sido usado em vários países, como Austrália e Holanda, enquanto a Finlândia e Canadá adotam linha mais construtivista. Portanto, segundo ela, não é essa questão que define se o aprendizado ocorrerá adequadamente.

— Depende mais do preparo de professores alfabetizadores e do acesso a bons materiais didático — afirma Maria Helena.

Não será a primeira vez que o MEC tentará, no passado recente, uma política de alfabetização. Ainda no governo Dilma Rousseff, foi lançado o Programa Alfabetização na Idade Certa (Pnaic). O governo Temer lançou o Mais Alfabetização.

Os índices do país, porém, mostram o tamanho do problema: 54,7% dos alunos do 3º ano do ensino fundamental têm nível insuficiente em leitura. E 34% em escrita, segundo dados de exame do MEC divulgados em 2017. Procurado, o MEC não retornou o contato.