Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Alexandre Schneider
Descrição de chapéu Coronavírus

O coronavírus revelou o essencial: o professor

Mesmo com escolas fechadas, o papel deles é central no desenho e implementação das políticas educacionais

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Um momento de distração ao olhar pela janela a rua vazia é interrompido por um chamado de meu filho de 11 anos, às voltas com uma pesquisa sobre o confucionismo. Tomás, assim como seus mais de um milhão de colegas da rede pública da cidade de Nova York, iniciou a semana com uma nova experiência: suas aulas agora são à distância.

No Brasil e no mundo, escolas públicas e privadas estão enfrentando o desafio de manter o processo de aprendizagem em novas bases, com o fechamento das escolas por tempo indeterminado, uma das medidas de contenção do coronavírus. A medida já alcançou 157 países e cerca de 1,4 bilhão de alunos, segundo a Unesco.

Diante da necessidade de isolamento social, há duas decisões possíveis, a de antecipar as férias ou a de lançar mão do uso de plataformas digitais e do ensino à distância. Qualquer das escolhas depende de outros dois aspectos fundamentais: a existência de um bom planejamento pedagógico e, sobretudo, a liberdade de escolha pedagógica do professor.

Professor de inglês do ensino médio de escola particular de Porto Alegre dá aula online
Professor de inglês do ensino médio de escola particular de Porto Alegre dá aula online - Diego Vara - 20.mar.20/Reuters

Há inúmeras evidências na literatura educacional a demonstrar que, controlados os demais fatores, estudantes submetidos ao ensino à distância aprendem menos do que aqueles que frequentam aulas presenciais. Como agravante, os mais vulneráveis aprendem ainda menos.

A cidade de Nova York tomou a decisão de cancelar as aulas de sua rede pública na semana passada. O secretário de educação propôs que cada escola realizasse um plano de implantação de ensino à distância, a partir de sua realidade.

Umbigo do mundo capitalista, Nova York é uma cidade muito desigual. Dos cerca de 1,1 milhão de alunos, 300 mil não possuem um equipamento ou acesso a internet. Para esses, a Prefeitura garantiu o empréstimo de computadores —em muitos casos os das próprias escolas— e o fornecimento de roteadores de acesso à internet com apoio de parceiros da iniciativa privada.

Conversei com estudantes, professores e gestores de escolas públicas e privadas da cidade. Os estudantes me revelaram que se sentem mais cansados no final do dia e e que sentem falta dos colegas. Por outro lado, percebem que há continuidade entre o que vinham aprendendo nas aulas presenciais e nas aulas à distância.

O testemunho dos gestores e professores também é o mesmo: estão aprendendo enquanto fazem. Os princípios comuns são os de respeitar o planejamento previsto antes da crise, preparar materiais que provoquem reflexão e pesquisa dos estudantes e estarem preparados para mudar sua estratégia de acordo com a resposta dos mesmos.

Os pais de Helena, que tem 16 anos e estuda em uma disputada escola pública de ensino médio com foco em ciências e matemática, receberam o planejamento das aulas à distância e o calendário escolar no domingo anterior ao início das aulas em modo remoto. O mesmo ocorreu com Tomás, que tem 11 anos e estuda em uma middle school pública (o que equivale ao Fundamental 2 no Brasil).

As duas escolas já utilizavam uma plataforma de relacionamento com alunos e pais. Por ela, além de informações gerais, cada professor envia tarefas de casa, vídeos, materiais de apoio, avaliações dos alunos, realiza mentoria e acompanha se os estudantes estão ou não conectados e se dedicando às tarefas.

Nina tem a mesma idade de Helena e estuda em uma escola privada de qualidade alta. Sua experiência foi um pouco distinta. A escola escolheu utilizar uma plataforma de comunicação em vídeo para que os professores dessem aulas à distância nos mesmos horários em que ocorriam as aulas presenciais. A iniciativa não fez muito sucesso com os estudantes, que se disseram cansados com o método. A escola rapidamente mudou o desenho, intercalando aulas à distância via plataforma de vídeo, tarefas, mentoria e trabalho em grupo.

No Brasil temos dois grupos de iniciativas. Nas escolas particulares, vêm sendo utilizados vários recursos, como o de vídeo ao vivo ou gravado, reproduzindo o ambiente de uma sala de aula, o envio de tarefas, a mentoria e sessões em grupos menores para tirar dúvidas dos alunos. Muitas vezes essas estratégias são combinadas.

O grande desafio que as escolas particulares terão caso as medidas de isolamento sejam prolongadas é sua sustentabilidade. Os pais precisam compreender que os custos não mudam e que a maior riqueza de uma escola é a qualidade de seus profissionais.

As melhores escolas públicas e privadas de Nova York, assim como as escolas de elite no Brasil, se basearam na continuidade do que foi planejado pelos professores e pelas escolas. Ninguém adotou soluções mágicas que batem à porta nesse momento, como a venda de sistemas, aplicativos e plataformas de apoio didático. Mais do que a tecnologia, as soluções se estruturaram na confiança do compromisso das pessoas que estão no coração do processo: os professores.

As escolas públicas brasileiras estão fechadas. Algumas redes anteciparam o recesso de julho, o que é uma decisão correta. É hora de os secretários estaduais e municipais discutirem com suas equipes pedagógicas as diretrizes para o retorno às aulas presenciais e o que fazer em caso de se optar pelas aulas à distância.

No caso de um prolongamento das medidas de quarentena, um sistema de comunicação simples entre as escolas, estudantes e pais, com a distribuição de materiais preparados pelos professores é suficiente. Para aqueles estudantes que não possuem computadores ou internet, poderia se adaptar espaços que respeitem as regras sanitárias de distância necessárias.

A principal lição desse momento é que mesmo com as escolas fechadas, o papel dos professores é central no desenho e implementação das políticas educacionais. Para que eles consigam apoiar seus alunos em pleno exercício de suas capacidades, a sociedade precisa garantir-lhes recursos à altura dos desafios que a profissão lhes impõe, como uma carreira que possibilite a esses profissionais trabalhar em uma única escola, como ocorre nas melhores redes públicas do mundo e nas melhores escolas particulares do Brasil.

Deixo aqui sugestões mais gerais a quem está na linha de frente, gerenciando nossas redes públicas. Desenhem soluções capazes de garantir o melhor aos alunos mais vulneráveis de suas redes. Uma solução que os atenda será capaz de atender a todos.

Confiem nos seus profissionais. Peçam a cada uma das escolas um plano específico para esse momento difícil e criem um método de monitoramento dos mesmos. Por fim, deixem os professores livres para realizarem suas escolhas pedagógicas.

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