Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Afinal, o que nossas crianças e jovens devem aprender?

Devemos repensar o currículo de modo a assegurar o aprofundamento de saberes e competências fundantes para nossas crianças e jovens

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Milhões de pessoas aprenderam a estrutura de um vírus e a diferença do mesmo para outros micro-organismos na escola. Estudaram a estrutura de DNA e RNA nas aulas de ciências da natureza. Também foram ensinadas a resolver operações que envolvem funções exponenciais ou progressão geométrica. Todavia, muitas delas adotaram comportamentos durante a pandemia de Covid-19 que revelam a baixa capacidade de fazer a ponte entre o conhecimento adquirido e o mundo real.

A crença em ideias como imunidade de rebanho, a dificuldade de compreender a necessidade de isolamento social, o uso indiscriminado de medicamentos sem nenhum tipo de ação contra vírus, ou a recusa a se vacinar são alguns exemplos de como o acúmulo de conhecimentos não se traduz necessariamente na compreensão do mundo.

O exemplo acima nos remete a uma discussão antiga entre educadores: o currículo de nossas escolas deve priorizar a cobertura do maior número possível de conteúdos ou o aprofundamento em conceitos e ideias estruturantes das disciplinas?

Imagem de uma sala de aula com carteiras e a lousa na frente
Cena do documentário 'Escolas Remotas' sobre a educação durante a pandemia de Covid-19 - Luca Jardim - 29.mar.22/Divulgação

Para seguirmos no terreno das ciências da natureza, um currículo que priorize a cobertura de conhecimentos para um aluno de segundo ano do ensino médio abordaria informações factuais sobre o sistema de classificação dos seres vivos, dando espaço para uma exploração detalhada de cada um dos reinos (com estudos minuciosos sobre as estruturas de briófitas, pteridófitas, gimnospermas, angiospermas e afins).

Um currículo focado no aprofundamento de conceitos e ideias estruturantes, por sua vez, dedicaria um tempo maior para trabalhar questões como desenho de experimentos na produção de evidências científicas, possibilitaria aos estudantes criarem seus próprios experimentos (utilizando conhecimentos de alguns desses reinos, por exemplo, com fungos ou bactérias), e traria espaço para que os estudantes transferissem essas aprendizagens para múltiplas situações de seu cotidiano.

O entendimento conceitual de uma evidência baseada em experimentos ajudaria as pessoas a compreenderem, por exemplo, a diferença de um evento aleatório —uma pessoa que tomou um vermicida ter também se curado de Covid— de uma relação causal —não necessariamente foi esse remédio o que provocou a cura.

A preocupação com os efeitos da pandemia nas aprendizagens torna essa discussão ainda mais relevante. Diante da dificuldade de acesso à escolarização por milhões de estudantes ao longo dos dois últimos anos, o que temos visto são ações educacionais que buscam cobrir a maior quantidade de conteúdos possíveis como forma de compensar as "perdas" sofridas pelos estudantes. Todavia, esse não nos parece o melhor caminho.

Na última semana, um seminário com especialistas brasileiros e da Universidade Harvard discutiu estratégias de enfrentamento dos problemas educacionais aprofundados pela pandemia, e uma questão recorrente em todos os painéis foi a importância de aprofundar o currículo.

Para esses especialistas, o aprofundamento das desigualdades de aprendizagem, o baixo engajamento com a escola, a evasão e o abandono escolar são fenômenos aprofundados pela pandemia, mas não inéditos ou inesperados. Nesse sentido, enfrentá-los com a adoção de estratégias que estão na raiz de sua existência não parece um caminho que apoie os estudantes a fortalecerem suas aprendizagens e a se interessarem novamente pela escola, menos ainda que lhes forneça condições para se tornarem aprendizes ao longo da vida.

A pandemia de Covid-19 foi um exemplo de como precisamos contar com pessoas aptas a mobilizar seu repertório de conhecimentos, competências e habilidades para responder a questões que não são previsíveis. Para navegar em um mundo cada vez mais complexo, as pessoas deverão ser capazes de utilizar os conhecimentos construídos na escola e fora dela para resolver problemas no trabalho, empreender, criar, planejar e organizar suas vidas. Mais do que isso, deverão ser capazes de expandir seu repertório ao longo da vida ao se depararem com novos desafios, que por sua vez geram novos aprendizados.

O desafio que se impõe para assegurar a aprendizagem de todos nesse contexto é imenso, mas temos condições de respondê-lo com criatividade e qualidade. Para isso devemos repensar o currículo de modo a assegurar o aprofundamento de saberes e competências fundantes para nossas crianças e jovens, formar professores para sua boa implementação e oferecer recursos para que as escolas tenham condição de acolher os alunos e criar ambientes de aprendizagem adequados e que respondam às necessidades do contexto em que estão inseridas.

É hora de aproveitar a oportunidade de revisão dos currículos para construir uma educação capaz de garantir a todos os instrumentos necessários a leitura do e a ação sobre o mundo.

Barbara Born

Coordenadora de pesquisa do Instituto Singularidades, doutoranda da Faculdade de Educação de Stanford e ex-professora da rede municipal de educação de São Paulo.

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