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Opinião|Afinal, queremos saber o que nossos estudantes devem aprender?

A BNCC ainda é uma política incipiente, com frágil implementação e alvo de forte oposição. Queremos manter o compromisso com essa política?

Nos últimos 30 anos, importantes políticas foram implementadas para superar o padrão evidentemente caótico e ineficiente do sistema educacional brasileiro. Entre elas, finalmente temos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) uma referência do que esperamos que os estudantes aprendam. Em termos de accountability e gestão da aprendizagem, demos um passo fundamental. Mas ela ainda é uma política incipiente, com frágil implementação e alvo de forte oposição. Queremos manter o compromisso com essa política?

Para apoiar essa discussão, vale relembrar que, apesar dos avanços estruturais e alguns casos isolados de sucesso, permanecemos amargando baixos resultados de aprendizagem para a grande maioria dos estudantes brasileiros. A conquista do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) nos permite medir e evidenciar esses resultados. Chegamos a 2021 com apenas 31% dos estudantes de ensino médio das escolas públicas com aprendizado adequado em Língua Portuguesa e chocantes 5% em Matemática. Os dados não são mais animadores para as outras etapas da educação básica e, antes que algum leitor queira creditar os resultados de 2021 à pandemia de covid-19, infelizmente o desempenho não era melhor nos anos anteriores.

Para quem está envolvido no debate educacional, é duro encarar os voos de galinha que configuram nossas políticas quando olhamos para resultados de aprendizagem. O mais triste desta situação – pior do que constatar a ineficiência no uso dos recursos públicos aplicados – é ver a vida acadêmica de milhões de crianças, adolescentes e jovens brasileiros desperdiçada. A grande maioria termina o 5.º ano do fundamental sem conseguir ler frases simples, não reconhece opiniões distintas sobre um mesmo assunto, não localiza informações explícitas em artigos de opinião (como este que você, leitor, está lendo), não consegue converter mais de uma hora inteira em minutos, uma quantia dada em moedas em cédulas de real, ou reconhecer que um número não se altera ao multiplicá-lo por 1. Esses pontos são apenas exemplos da formação precária dos nossos futuros adultos, sem falar em todas as competências que a escola pode ajudar a desenvolver, tais como a criatividade, resolução de problemas e comunicação.

Recentemente surgiram demandas de alguns setores da educação advogando pela revogação da BNCC, da Base Nacional Comum para Formação de Professores (BNC-Formação) e da reforma do ensino médio. A BNCC, aprovada em 2018, estabelece padrões de aprendizagem comuns aos estudantes brasileiros. Com ela finalmente temos uma definição (ainda que passível de críticas e melhorias) do que se espera que os estudantes saibam ao término de cada ano. A perspectiva de competências é um fundamento pedagógico da base que aproxima conhecimento e prática. Essa perspectiva propõe um processo de aprendizagem que instigue o estudante a pôr o conhecimento em prática, a resolver problemas, e não apenas a decorar conteúdos. E a base de formação docente busca, justamente, formar os professores para que possam transformar suas práticas rumo a essa perspectiva de ensino por competências.

A BNCC tem sido um importante instrumento para apoiar e nortear a prática docente. Uma pesquisa realizada pelo Consortium for Policy Research in Education (CPRE), da faculdade de Educação da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, acompanhou a implementação da base por cinco anos, entrevistando diversos atores educacionais, entre eles professores que atuam diretamente em sala de aula em redes públicas do País. Ao serem questionadas em que medida a base mudou sua prática docente, professoras respondiam com alívio que, agora, sabiam o que deviam ensinar. É emblemático ouvir de quem está vivendo diariamente a sala de aula que antes recorriam a colegas ou buscavam na internet o que ensinar para estudantes do 3.º ano, por exemplo, e que agora têm mais clareza do que se espera e sabem onde consultar, e que esse referencial é o currículo local derivado da base.

No livro A Revolução Gerenciada. Educação no Brasil 1995-2002, Paulo Renato Souza, ex-ministro da Educação, afirma: “Não é mais possível elaborar programas de formação e capacitação docentes sem ter um currículo nacional que aponte necessidades e possibilidades. Da mesma maneira, não se pode promover uma avaliação do desempenho dos alunos, elaborar programas de educação a distância, estabelecer uma política do livro didático ou definir uma política de educação complementar, sem ter um parâmetro curricular de nível nacional que estabeleça os conteúdos básicos da aprendizagem. Um currículo nacional será o condutor”.

Quase 30 anos depois dessa afirmação, logramos uma base nacional. Continuamos, porém, longe de efetivar a coerência almejada pelo então ministro, e ainda colocamos os professores em constante desassossego quando aqui e ali se defende que a base seja revogada. Com certeza, seria mais produtivo focar na qualidade da gestão pública e evitar que os quase 34 milhões de estudantes matriculados nas redes públicas de ensino continuem compondo uma amarga estatística de desempenho. O Brasil precisa de pressa, diligência e compromisso com a formação dos nossos estudantes.

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DIRETORA DE EDUCAÇÃO E INOVAÇÃO NO INSTITUTO REÚNA, PÓS-DOUTORA EM GESTÃO PÚBLICA PELA USP/IEA CÁTEDRA SÉRGIO HENRIQUE FERREIRA, É DOUTORA EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GOVERNO PELA FGV-EAESP. SUAS ÁREAS DE INVESTIGAÇÃO ENVOLVEM LIDERANÇA ESCOLAR E IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS

Opinião por Filomena Siqueira

Diretora de Educação e Inovação no Instituto Reúna, pós-doutora em Gestão Pública pela USP/IEA Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, é doutora em Administração Pública e Governo pela FGV-Eaesp. Suas áreas de investigação envolvem liderança escolar e implementação de políticas educacionais