Acesso a artes na escola impacta desempenho de modo indireto, dizem estudos

Americanos concluíram, por exemplo, que contato com oficinas e exposições melhorou compaixão, mas não nota

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São Paulo

A apreciação, a prática e o estudo de artes têm valor intrínseco. No entanto, o dispêndio de recursos em atividades artísticas no universo da escola pode parecer uma preferência subjetiva injustificada, em particular para quem mede o sucesso em educação só por testes padronizados (como o Saeb, no Brasil, ou o internacional Pisa).

Tais exames costumam avaliar o desempenho em disciplinas ditas "básicas" (leitura, redação, matemática e ciências). Os resultados nesses testes podem ter efeitos em orçamentos, na direção de escolas, na seleção de professores e, claro, nos currículos.

O aumento da importância dada a testes padronizados teria provocado redução dos recursos destinados a ensino e apreciação de artes por meio de escolas, em especial nos EUA. Na média dos países da OCDE, na maioria europeus, a evidência dessa tendência é inconclusiva ou a redução foi pequena desde o ano 2000.

Adulto e criança prendem telas pintadas em sala com panos vermelhos em exposição artística escolar
Adulto e criança prendem telas pintadas na escola Teia Multicultural, em São Paulo (SP); unidade promove educação integral a partir de projetos interdisciplinares que vão além de conhecimentos técnicos, incentivando aspectos socioemocionais, físicos, intelectuais e cognitivos - Jardiel Carvalho - 24.jun.23/Folhapress

Nos EUA, algumas artes, como dança, e estudantes não brancos, mais pobres ou em educação inclusiva teriam sido os mais prejudicados. É o que relatam Daniel H. Bowen (Universidade Texas A&M) e Brian Kisida (Universidade do Missouri) em uma resenha dos estudos sobre o assunto.

Estudos empíricos diversos parecem indicar que sim, uma "exposição" maior a artes (não apenas em "aulas" do currículo convencional) elevam habilidades cognitivas, emocionais e sociais, embora nem sempre ou diretamente o desempenho em disciplinas ditas "básicas", como sugere o próprio estudo de Bowen e Kisida (2019) a respeito, no distrito escolar de Houston (Texas).

Os pesquisadores Ellen Winner, Thalia Goldstein e Stéphan Vincent-Lancrin acreditam, porém, que a mera questão da "transferência" de competência ou habilidades das artes para outras disciplinas esteja empírica ou teoricamente mal formulada. Em um trabalho de 2013 para OCDE, fizeram uma ampla revisão de estudos publicados ao menos desde 1980 sobre o assunto, chamado "Art for Art's Sake?" ("Arte pela Arte?", que resultou em livro).

O trio argumenta que o ensino de artes vale pelo aperfeiçoamento de habilidades relacionadas a elas e pelo fato de fazerem parte de um conjunto relevante para a educação voltada à inovação, mas não apenas. Dizem ainda que a evidência sobre a "transferência" de habilidades (da música para matemática, digamos) talvez não tenha fundamento científico (a fim de aprender mais geometria, seria melhor estudar mais geometria).

Examinaram pesquisas que tratavam do impacto de aulas de artes, na escola ou fora dela, sobre estudantes. Os estudos experimentais não mostram efeito causal significativo em geral nas notas.

Bowen e Kisida, os americanos, analisaram o efeito da Haai (Houston Arts Access Initiative) em indicadores escolares. Trata-se de um dos tantos programas de interação de colégios com instituições artística e artistas. De 2013, teve procura maior que a oferta.

Eles mediram a relação entre os indicadores de 42 escolas sorteadas para participar do programa e outras que não puderam fazê-lo, também sorteadas. Mais de 10 mil estudantes de ensino fundamental e médio foram avaliados. É um dos estudos mais amplos e estatisticamente rigorosos à disposição.

A participação nas atividades da Haai reduziu a proporção daqueles que receberam advertências, melhorou o desempenho em redação e a compaixão, o empenho na escola ou o desejo de fazer faculdade. Mas não verificaram melhorias significativas em frequência ou no desempenho em testes padronizados.

Outros estudos procuram medir o efeito do uso de artes de modo mais instrumental —o recurso a conceitos e habilidades artísticas na eficiência do ensino e na aprendizagem de disciplinas (chamado de "arts integration" nos EUA).

Meredith Ludwig e colegas revisaram 135 estudos publicados desde 2000 e que atendessem a critérios de rigor do governo americano ("Review of Evidence: Arts Integration Research Through the Lens of the Every Student Succeeds Act"). Os 27 estudos com rigor empírico bastante mostraram efeitos estatisticamente relevante de "arts integration", mas de nível modesto (menor que de outras 29 "intervenções" para melhorar notas em leitura, matemática e ciências).

James Catterall, Richard Chapleau e John Iwanaga, do Imagination Project (projeto imaginação), da Universidade da Califórnia (Los Angeles), recorreram aos dados do National Educational Longitudinal Survey (pesquisa nacional patrocinado pelo governo dos EUA) a fim de acompanhar 25 mil estudantes durante parte do ensino médio (no caso americano, do oitavo ao 12º ano) e o efeito do ensino de música e teatro.

O envolvimento em artes teria melhorado o desempenho acadêmico em geral, em matemática, leitura, motivação e empatia.

Já estudo do governo australiano de 2003 não encontrou relação entre desempenho acadêmico e programas escolares de artes, mas notou melhorias em motivação, empenho, cooperação e frequência maior de indígenas.

Métodos, tipo de atividade artística e resultados medidos variam tanto que a comparação de pesquisas e seus resultados é difícil, assim como a generalização de dados, descobertas e conclusões.

O trio que fez o amplo estudo de revisões da pesquisa, da OCDE (Winner, Goldstein e Vincent-Lancrin), preocupou-se em particular com o que pode incrementar as "habilidades para a inovação", em tese fundamentais em economias avançadas.

Seriam três habilidades que se sobrepõem: técnicas (conteúdo e procedimentos), de pensamento e criatividade, e comportamentais/sociais (persistência, autoconfiança, colaboração, comunicação, empatia).

As artes podem ter efeito indireto nisso tudo. "(...) O valor das artes para o desenvolvimento da experiência humana é uma razão suficiente para justificar sua presença nos currículos escolares, não importa se a educação artística resulta em transferências [aumento direto de competências em outras disciplinas]", concluem.

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