A Academia Brasileira de Ciências (ABC) lançou nesta quinta-feira (23) um documento com recomendações e sugestões para os candidatos a presidente e governadores em 2022, entre elas investimento de 2% do PIB no setor, atenção maior para todos os níveis da educação, aumento dos valores de bolsas de pós-graduação e pesquisa em desenvolvimento sustentável.
Em evento realizado na sede da instituição, no Rio de Janeiro, a presidente da instituição, Helena Nader, disse que o país não tem uma política de Estado para o setor, apesar de legislações bem formuladas no papel.
“O que nós queremos é trazer subsídios para essa política de Estado. O Brasil ainda não conseguiu. É triste. Vamos completar 200 anos de independência, mas continuamos uma colônia. Essa é a realidade nua e crua. Sem política de Estado não haverá desenvolvimento social e econômico e social”, disse Nader.
O ex-presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich, ressaltou que o PIB, em 2021, foi de quase R$ 9 trilhões (R$ 8,7 trilhões). Os recursos destinados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) foram de R$ 9 bilhões. “No entanto, 50% foi surrupiado pelo Ministério da Economia. Ninguém pegou o crédito, e voltou para o Tesouro. Ficaram R$ 4,5 bilhões, o que representa 0,05% do PIB”, afirmou.
O documento pede ainda que o fundo não seja sujeito à retenção de recursos, com liberação de parcelas por duodécimos. Além disso, a ABC recomenda um aumento de 85% da participação dos recursos não reembolsáveis do FNDCT, que deveria ter, como missão, assim como a Financiadora de Recursos e Projetos (Finep), o desenvolvimento científico e tecnológico, e não de uma instituição bancária.
Segundo os pesquisadores, os recursos destinados do fundo para empresas precisam ser não reembolsáveis, atualmente com juros maiores do que os praticados no mercado, o que deixa o orçamento do FNDCT ocioso, pois falta interesse na captação dos valores. Além disso, a ABC afirma que o fundo não deve ser o único meio para se atingir o investimento de 2% do PIB em ciência, tecnologia e informação, pois a pesquisa deve permear diversos setores do governo, ministérios e setor privado.
Nader disse ainda que 2% do PIB é uma meta factível: “Depende das prioridades. A gente teve ocasiões em que conseguimos chegar a 1,5% do PIB. Hoje, temos 1%, em razão dos cortes. Mas atingir esse índice em quatro anos é possível. Países ao redor do Brasil conseguiram aumentar em muito menos tempo seu investimento em ciência”.
De acordo com Nader, a promessa do governo de Jair Bolsonaro era de chegar a um investimento do PIB de 3% durante seu mandato. A presidente da ABC ressaltou ainda que o governo “fala tanto que quer ser da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico]”, mas é preciso lembrar que a média de investimento da entidade no setor é de 2,6%”.
Capacitação de pesquisadores
A ABC pede a capacitação de pesquisadores (doutores e mestres) para que, em dez anos, seja atingido o marco de 2 mil pesquisadores por milhão de habitantes. O vice-presidente da entidade, Jailson Bittencourt de Andrade, afirmou que é preciso aumentar o valor das bolsas de pós-graduação.
“A ciência e a tecnologia dependem da inteligência dessas pessoas. Hoje, as bolsas não estimulam mais a participar. Assistimos uma queda pela procura de pós-graduação e a ida de pessoas para estudar em outros lugares”, disse.
Andrade afirmou ainda que o Brasil precisa de uma “revolução na educação”, o que deve ser seguido como um “mantra” pela sociedade. “Só existe ciência, tecnologia e inovação a partir de uma educação de qualidade. É preciso valorizar a escola pública e o professor. Cerca de 90% da pesquisa no país é desenvolvida pelas universidades públicas, que estão passando por um momento difícil”, disse o vice-presidente.
Davidovich afirmou que o investimento total destinado pela União em educação passou de 19%, em 2012, para 8%, em 2022. “As perdas acumuladas, desde 2014, segundo o Observatório do Conhecimento, para o Ministério de Ciência e Tecnologia, podem chegar, agora em 2022, a R $100 bIlhões. Em relação às bolsas, o último aumento foi em 2014. Isso significa um valor defasado de 60%", criticou. “Como desenvolver ciência e tecnologia no Brasil com estudantes fugindo da pós-graduação?”, questionou.
Os representantes da ABC disseram ainda que o investimento em ciência não deve ser visto como gasto, mas, sim, investimento. Nader sugeriu que a alocação de recursos para áreas como saúde e pesquisa fosse retirada da lei do teto de gastos, a qual criticou.
Setor privado
Os pesquisadores também ressaltaram o papel importante que empresas do setor privado podem desempenhar na inovação, mas reforçaram que o país passa por um momento de desindustrialização, por isso o papel do Estado ainda seria grande no setor.
Além disso, afirmaram que o desenvolvimento de ciência e tecnologia deve ser feito respeitando os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, e que o Brasil, com ativos como a Amazônia, tem potencial de se tornar uma potência em pesquisa ambiental.
O documento que será entregue aos candidatos reforça o papel da ciência no desenvolvimento do país.
“Quando da criação do que é, atualmente, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), em 1985, o Brasil era responsável por 0,5% da produção científica mundial. Hoje, esse número aumentou para 3,2%, registrando crescimento expressivo”, diz o texto.
A carta afirma ainda que o país tem 900 pesquisadores a cada milhão de habitantes no país — valor inferior até mesmo quando comparado a alguns países da América Latina. Em países desenvolvidos, este número é da ordem de 4 mil.
“A falta de cientistas é preocupante. É temerário assentarmos a economia apenas em commodities, cujos valores no mercado internacional oscilam muito, e na produção de bens de baixa intensidade de conhecimento e que agregam pouco valor ao produto final, ou ainda, dependermos fortemente de produtos externos, como fertilizantes e vacinas”, diz o documento.
Recomendações
Entre as recomendações, que, segundo Nader, não são apenas para os próximos quatro anos, mas para as décadas seguintes, estão: garantir a participação de conselheiros estratégicos em ciência, tecnologia e inovação nos diferentes setores do Legislativo, do Judiciário e, sobretudo, no Executivo, para que políticas públicas sejam desenhadas com aporte do conhecimento sobre cada tema; manter e ampliar políticas de ações afirmativas e bolsas de permanência estudantil, evitando a evasão no ensino superior; estimular e apoiar a conectividade nas escolas e universidades, em especial na formação de professores para a educação básica; efetivar novos modelos de financiamento (por exemplo, com recursos do fundo social do pré-sal e incentivos fiscais para doações a instituições); dar suporte a instituições já existentes e que têm demonstrado grande desempenho na agilidade e na flexibilidade para apoio à inovação (como a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) e que não têm tido prioridade orçamentária; entre outros.
“O documento é um grito de alerta, mas de otimismo. Uma receita para o país avançar, desenvolver a ciência e conquistar o bem-estar da população”, afirmou Davidovich.