Acabar com a gratuidade na educação é o caminho?

Estudo do Banco Mundial recomendou que os mais ricos paguem pelo ensino superior público como uma das medidas para se atingir mais justiça social e equilibrar as contas públicas


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Contra a privatização da educação

Luis Eduardo Acosta, 1º vice-presidente do Andes-SN (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior Públicas)

Ao primeiro sinal de agravamento da crise sistêmica do capital, a alternativa é a redução de direitos sociais e o desmonte das políticas públicas. Assim, não é de estranhar que se levante, mais uma vez, a defesa de um projeto de educação privatista, sobre a alegação de “justiça social”, que tem como proposta a cobrança dos cursos nas universidades públicas.

Porém, verdadeiramente, o desequilíbrio das contas públicas é gerado pelo pagamento dos juros da dívida pública, pela descarada sonegação de impostos e isenções dadas às grandes empresas, assim como pela estrutura tributária que penaliza os mais pobres. Portanto, as soluções para a crise fiscal passam pelo combate à sonegação, pela realização da auditoria da dívida pública e pela reforma da estrutura tributária.

A garantia de que os gastos públicos sejam repartidos equitativamente entre as diferentes classes e frações de classe da sociedade pressupõe transformação radical da estrutura tributária brasileira, hoje baseada em contribuições e impostos indiretos e não-distributivos – que oneram os mais pobres –, substituindo-a por uma política mais justa, baseada em impostos progressivos e distributivos, que incidam significativamente sobre a renda da parcela abastada da população e sobre o lucro de empresas e rentistas.

A cobrança de mensalidade nas instituições de ensino superior públicas afetaria apenas uma ínfima parte dos seus custos. Isso é assim aqui e em todas as partes do mundo. No caso das instituições particulares, boa parte de seu sustento provém de subsídio direto ou indireto por parte do Estado (ProUni e Fies, além das vantagens tributárias). Os grandes empresários da educação sabem muito bem disso.

Há um benefício direto na educação pública para todos, independentemente da capacidade contributiva, no que diz respeito à democratização do acesso e permanência. A universidade pública pode contribuir para superar as desigualdades, uma vez que possibilita que se encontrem num mesmo espaço estudantes de famílias de diferentes estratos sociais e, com isso, ajuda na superação das barreiras para a mobilidade social ascendente.

Enquanto professores e professoras, nossa tarefa é lutar, cotidianamente, para que a educação pública, uma conquista social, se democratize, seja ampliada com qualidade e continue a cumprir o seu papel, quais sejam, contribuir para a formação política, social, educacional da sociedade brasileira, para a diminuição das desigualdades, assim como, sua principal função, produzir conhecimento básico e aplicado para o desenvolvimento social.

Acabar com a gratuidade é o caminho?
Foto: Amarildo

Acesso não precisa ser gratuito para todos

Antonio Nucifora é economista-chefe para o Banco Mundial no Brasil e Pedro Olinto é coordenador para o Desenvolvimento Humano do Banco Mundial no Brasil

Realizado a pedido do governo federal, o estudo do Banco Mundial destrincha os gastos públicos. O trabalho teve por objetivo mostrar que é possível realizar o ajuste fiscal que o Brasil necessita, com medidas capazes de promover maior igualdade social, protegendo os mais desfavorecidos. Nele, sugerimos a adoção da cobrança pelo ensino nas universidades federais.

Ao longo das últimas duas décadas, o Brasil tem feito um grande progresso com relação ao aumento do acesso à Educação, o que constitui um grande investimento no futuro do país. É fato que os que cursam o ensino superior têm mais probabilidade de conseguir empregos bem remunerados.

Um sistema de ensino superior igualitário deveria assegurar o acesso gratuito aos estudantes financeiramente vulneráveis e dar acesso a empréstimos para os que têm condições de pagar. Hoje, o sistema brasileiro faz exatamente o oposto, pois para ingressar no sistema, os estudantes são submetidos a um concorrido exame de ingresso, que privilegia estudantes de escolas particulares.

Desta forma, os principais beneficiários do acesso gratuito às universidades federais são membros das famílias de classe média alta ou alta. Apenas 20% dos estudantes universitários fazem parte dos 40% mais pobres da população brasileira, como indica a amostra da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), e 65% integram o grupo do 40% mais ricos. Na realidade, a grande maioria dos estudantes já paga pelo ensino superior provido por universidades privadas, muitos deles por meio de empréstimos de programas como o Fies.

Além disso, o dinheiro usado para custear as universidades federais é financiado pelo sistema fiscal, reconhecidamente bastante regressivo no Brasil. Na verdade, cerca de 35% das receitas orçamentárias no Brasil em 2016 são originárias de impostos indiretos, isto é, taxas embutidas no consumo de bens. As famílias pobres gastam a maior parte de seu orçamento com este tipo de consumo, enquanto as mais ricas conseguem economizar uma grande parcela de seus rendimentos. Como tal, a tributação indireta é conhecida por ser relativamente regressiva, ou seja, compreende uma parcela maior da renda das famílias pobres. Em suma, em termos relativos, o sistema de acesso gratuito às universidades federais promove, na realidade, uma transferência de recursos de famílias pobres para as mais ricas.

Introduzir um sistema onde os estudantes da parcela mais alta da distribuição de renda paguem taxas para ter aceso ao ensino em universidades federais permitiria uma expansão dos programas de bolsa de estudo, como o ProUni, para aumentar as oportunidades de acesso para os estudantes menos favorecidos, que fazem parte dos 40% mais pobres da população, e uma extensão dos programas de empréstimos, como o Fies, também para as universidades federais. Um esforço paralelo para melhorar a qualidade do ensino médio na escola pública também contribuiria para aumentar as oportunidades para os estudantes mais pobres.