Imagem ex-librisOpinião do Estadão

A universidade em xeque

Queda de inscritos no Enem e em vestibulares da USP, da Unicamp e da Unesp tem múltiplos fatores, mas também sinaliza que o ensino superior precisa se reinventar − e logo

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

Fala alto o fato de que há menos gente disposta a participar de processos seletivos para ingresso no ensino superior. Como noticiou o Estadão, não foi apenas o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que registrou queda de inscritos em relação à última década: os vestibulares da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), referências para o País inteiro, também têm atraído menos candidatos.

Por óbvio, diversos motivos explicam tamanha redução − entre eles, os desdobramentos da pandemia de covid-19, o empobrecimento de boa parte da população e o descaso do governo do presidente Jair Bolsonaro com a área educacional. Mas há uma questão de fundo que não pode passar despercebida: o ensino universitário, da forma como está estruturado, parece incapaz de despertar o interesse de uma parcela da juventude.

Sim, as universidades precisam se reinventar. E logo. Como se sabe, o diploma abre caminho para melhores empregos e maior renda − e continua sendo o sonho de milhões de brasileiros. Mas é inegável que as transformações tecnológicas têm alterado profundamente o mercado de trabalho, em velocidade que subverte até mesmo a lógica da educação. A certificação de competências em cursos de curta duração, por exemplo, vem ganhando força, assim como há empresas que dispensam o diploma ao selecionar seus funcionários.

É nesse contexto que uma parcela da juventude deixa de perceber a universidade como a principal rota para a conquista do emprego. A perspectiva de passar três, quatro ou cinco anos na faculdade, não raro em estruturas engessadas nas quais uma disciplina é pré-requisito para cursar outra, desagrada a muitos jovens. Ainda mais diante do risco de obter o diploma e continuar desempregado. Ou de só conseguir emprego com baixo salário.

Não se trata aqui de desmerecer nem desqualificar o ensino superior. Longe disso. Basta lembrar que a renda média dos profissionais com diploma, no Brasil e no mundo, supera a dos trabalhadores com menos escolaridade. Ou que a formação universitária é insubstituível em diversas carreiras. Mais do que isso, é essencial ter em mente que as universidades são, por excelência, o lugar onde se faz pesquisa e onde se formam pesquisadores. Por último, mas não menos importante, é das universidades que irradia o livre pensar, base para que gerações de filósofos e cientistas ampliem os limites do conhecimento.

Na verdade, são as próprias universidades que já perceberam o alcance das transformações em andamento. Nem poderia ser diferente: a queda do número de inscritos no Enem e nos vestibulares, mesmo que originada por inúmeros fatores, acena com um preocupante desprestígio do ensino superior perante segmentos da juventude − e isso precisa ser mais bem compreendido. Na USP, um grupo de trabalho vinculado à reitoria reúne cientistas e educadores para tratar do tema. Para esses especialistas, a universidade não pode ser refém do academicismo, isto é, deve ter a capacidade de perceber o que está acontecendo na vida das pessoas comuns.

Ele cita os elevados índices de evasão nos cursos de graduação do País, outro problema a ser enfrentado. Um estudo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) monitorou a situação dos estudantes de graduação que ingressaram em 2011 nas faculdades de todo o Brasil: em 2020, apenas 40% tinham se formado no curso original (59% haviam abandonado ou pedido transferência e 1% permanecia matriculado). Por trás da evasão, há situações de todo tipo: desde o jovem que não consegue se manter e deixa de estudar para trabalhar até quem desiste porque o curso é ruim.

O Brasil tem o duplo desafio de aumentar o número de universitários e de garantir a qualidade do ensino. A diminuição de inscrições no Enem e em vestibulares, porém, é um recado a ser ouvido com atenção. O mundo está mudando e as universidades não podem ficar para trás.