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Cleber Benvegnú

A terceira via ainda não entendeu o Brasil profundo

Postulantes não encontraram alavancas emocionais para tocar o brasileiro popular

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Cleber Benvegnú

Jornalista e advogado, é sócio-fundador da Critério – Resultado em Opinião Pública

Uma candidatura dificilmente se constrói apenas sobre negações. É sobre o que o candidato rejeita, mas também sobre o que propõe. É sobre o que não fará, mas também sobre o que fará. Aqui reside um dos primeiros problemas que a dita terceira via encontra para constituir-se como força viável para as eleições presidenciais deste ano.

A maioria dos políticos que a almejam —retoricamente bem constituída, politicamente experiente— tem na ponta da língua o que não quer: nem Lula, nem Jair Bolsonaro. Mas pouco, muito pouco esses políticos produziram até aqui para além desse "nem-nem". Falta-lhes pauta. E, apesar de criticarem a polarização, estacionam seus discursos justamente sobre ela. É um círculo vicioso difícil de romper, pois os paradigmas das duas pontas são efetivamente fortes.

As negações se voltam mais claramente contra Bolsonaro. Sendo ele o presidente da República, é natural que assim seja. Todavia, a maior parte dessa terceira via também apropriou-se de um antibolsonarismo patológico, a tal ponto de perder a compreensão sobre o eleitor de perfil moderado (conservador ou liberal), que, de novo, poderá desembocar em Bolsonaro. Tomam esse cidadão por "bolsonarista", sendo que não é nem nunca foi idólatra do presidente. Apenas rejeita o PT e tudo o que a esquerda gerou. É a favor da vida, da liberdade, da autonomia das famílias. Não é um tolo induzido por fake news, não grita "mito" em caravana, mas aceita brincar com memes e fazer piadas. São pessoas simples e respeitadoras, que apenas querem uma vida pacífica, livre e produtiva.

Tratar esse povo todo de radical ou alienado, portanto, é não compreender boa parcela do brasileiro profundo. A propósito: muitos políticos e analistas não entenderam isso desde 2018, envoltos em clichês partidaristas, institucionalistas e formalistas dos carpetes do poder. Também não veem que boa parte dessas pessoas, se por um lado não aprova as atitudes boquirrotas de Bolsonaro e está aberta a uma nova opção, por outro não aceitará qualquer espécie de flerte com aquele PT que fora rejeitado.

É o João da Silva que também tem aquele cunhado gente boa e honesto, apesar de grosseiro. Ou grosseiro, apesar de gente boa e honesto. Mas, entre um mal-educado e um ladrão (por hipótese), prefere o primeiro. A propósito, as análises de política e democracia no país têm se resumido a um comentário de etiqueta social, quase de moda e estilo. Como se política não fosse conexão simbólica, essência, posicionamento e valores. Ou se a corrupção não ocorresse de colarinho branco, toda comportada. Ora, a tal terceira via, além de não ter programa, tampouco encontrou alavancas emocionais para tocar o brasileiro popular de todos os cantos do país.

Há também um enviesamento para compreender o conservadorismo, ou melhor, o significado prático do que seja um cidadão conservador —que facilmente é confundido com um reacionário. A diferença entre um e outro é o conformismo; o reacionário, resistente a quaisquer mudanças; o conservador, aberto a elas desde que preservados seus valores basilares, firmados nas liberdades individuais. Mas esse pessoal prudente e sofisticado caiu na esparrela da narrativa esquerdista, segundo a qual quem votou em Bolsonaro ou é fascista ou é enganado por fake news —e, ao pressupor a "torpeza" ou a "burrice" desse eleitor, obviamente não consegue compreendê-lo, muito menos conversar com ele.

Com tudo isso, quero dizer que nada rompe a tal polarização? Não, ninguém sabe o que vai acontecer daqui até outubro. Mas é possível constatar na tentativa de arquitetar a terceira via, isto sim, um amontoado de preconceitos. E vem junto um viés de pedágio às narrativas de esquerda e uma incapacidade renovada de compreender e dialogar com uma parte significativa dos brasileiros. Se nada se constituir, essa vaga continuará ocupada por Bolsonaro —o cunhado grosseiro, mas gente boa e honesto.

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