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Opinião|A Inteligência Artificial e a educação para o imponderável

Por Bruno Alvarez

No início deste ano, a Springwise, uma empresa de consultoria em inovação, publicou o relatório "Future 2043", no qual especialistas de diferentes áreas fazem previsões para os próximos vinte anos. No âmbito da educação, o educador Daniel Fitzpatrick prevê uma mudança de paradigma: segundo ele, transitaríamos do modelo just in case para o just in time.

 

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O primeiro modelo é aquele que privilegia a acumulação de conteúdos, a memorização e a compartimentalização dos saberes, com uma perspectiva de previsibilidade típica de um mundo analógico e linear. É a educação tradicional que nos é muito conhecida desde tempos remotos: alunos enfileirados mais ou menos atentos diante de um professor que expõe conteúdos a serem cobrados em provas sem consulta. Nesse modo de compreensão, o conhecimento é visto como estoque de saberes objetivos, dos quais os aprendizes lançariam mão em caso de necessidade. Em uma realidade previsível, na qual o futuro dos alunos seria muito similar ao presente de seus professores - como se pode dizer que era em meados do século XX -, essa tradição parece fazer sentido. Sobretudo em um mundo pouco digitalizado, muito dependente do conhecimento estocado em algumas poucas e brilhantes cabeças.

O modelo just in time, por sua vez, enfatiza habilidades e competências frente a novas situações, prioriza o raciocínio, a reflexão, a interdisciplinaridade e as ciências de fronteira em um mundo digital, com transformações que ocorrem em ritmo exponencial. Trata-se de uma realidade que se apresenta sempre nova e surpreendente e, portanto, imprevisível. O modelo pressupõe que dados, informações e conhecimentos estejam armazenados nas máquinas e que o futuro dos alunos não será o presente de seus professores.

Essa perspectiva não é propriamente nova. Charles Fadel, por exemplo, já no início dos anos 2000, sinalizava para essa transformação em função dos adventos tecnológicos de então, colocando as práticas tradicionais de educação em xeque. Ora, como preparar alunos para um mundo quase sempre disruptivo, se damos a eles um ferramental útil apenas para uma realidade que terá ficado para trás quando esses mesmos estudantes estiverem formados? Ali surgiu o clichê de algumas palestras: "85% das profissões do mercado em 2030 ainda não existem".

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Apesar da frase um tanto surrada, há, sim, o que pensar e fazer a respeito.

Avaliações como o Pisa, por exemplo, vão justamente na direção de questionar provas do modelo just in case: buscam avaliar competências e habilidades, e não conteúdos programáticos tradicionais, pois tarefas que podem ser resolvidas por meio de mera memorização serão - mais provavelmente do que outras - automatizadas. Logo, serão menos relevantes em uma sociedade contemporânea.

E isso, se já era real na primeira década do século XXI, passou a ser urgente desde o fim de 2022: foi quando veio a público a primeira versão do ChatGPT.

Esta e outras ferramentas de Inteligência Artificial permitem uma interação linguística complexa com uma máquina e, além da capacidade de acesso a informações que já tínhamos com o Google, por exemplo, elas podem promover a curadoria de quase todos os conteúdos disponíveis na Internet, articulando informações como nunca vimos antes. Trata-se da possibilidade de automatização sem precedentes de muitos trabalhos humanos e que coloca a escola tradicional - a do modelo just in case - na berlinda, pois, entre outras funções, é ela quem prepara os profissionais de amanhã.

Mas as máquinas substituirão profissionais no futuro? Como disse um usuário do Twitter, a Inteligência Artificial não vai substituí-los. Profissionais usando a Inteligência Artificial é que vão. E, para usar a Inteligência Artificial, teremos de preparar nossos alunos, tanto no sentido de que compreendam bem as novas ferramentas em suas possibilidades e seus limites, quanto no sentido de serem a contraparte humana - criativa, colaborativa, ética - que dá perspectiva ao que realizamos todos os dias em nossa vida. Nesse caso, mais do que se perguntar se haverá substituição de pessoas por máquinas, talvez seja o caso de indagar: quem será o médico, o advogado ou o professor do futuro?

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Da substituição em massa de trabalhadores sem que a sociedade tenha tempo de adaptação à produção aprimorada de fake news, a IA traz ameaças que devem ser bem calculadas e debatidas. No entanto, a primeira preocupação de alguns de nós, educadores, quando do lançamento do ChatGPT, foi bem mais limitada: o que fazer em relação à confiabilidade dos trabalhos dos alunos?

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Para além dessa visão que subestima os possíveis problemas, o que a reação desses educadores aponta é um sintoma: estamos desesperados por manter o modelo just in case, pois o modelo just in time é muito mais difícil de se colocar em prática.

Philippe Perrenoud - educador muito conhecido dos brasileiros por ter embasado algumas das premissas do ENEM - já afirmava que um especialista é competente ao dominar as situações mais comuns, mas também ao ser capaz de enfrentar situações inéditas. Em outros termos, talvez Perrenoud afirmasse que alunos precisam tanto da educação just in case quanto da educação just in time. Do fim do século passado para cá, estamos ouvindo um chamado do segundo modelo para que deixemos de dar tanto foco no primeiro, o que deveria impactar todo o currículo das escolas e, também, grandes avaliações em massa, como passou a ser o próprio ENEM.

Nessa leitura, creio que o que se mostra à nossa frente é que o especialista de Perrenoud  - como já vaticinou o tuíte mencionado antes - não estará só: as situações inéditas (por enquanto) ficarão sob a sua responsabilidade. Mas as situações mais comuns estarão praticamente todas destinadas às máquinas.

Sendo assim, a função da escola será dar condições para que nossas crianças e nossos jovens, além de saberem as capacidades e os limites da IA para lidar com o que é previsível, tenham formação sólida para enfrentar o imponderável.

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Bruno Alvarez é o Vice-Diretor de Inovações Pedagógicas do Colégio Pentágono

 

 

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