Antônio Gois
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Um espaço para debater educação

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Antônio Gois

Jornalista de educação desde 1996. Autor dos livros 'O Ponto a Que Chegamos'; 'Quatro Décadas de Gestão Educacional no Brasil' e 'Líderes na Escola'.

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Já estamos nos aproximando do fim do ano letivo, e os alunos que ingressaram no ensino médio em 2023 ainda não têm ideia de como será o Enem que realizarão em 2025. Esta afirmação pode soar precipitada para quem entende que a preparação para o exame se restringe ao último ano da educação básica, mas é uma preocupação legítima daqueles que acreditam que a prova é – ou deveria ser – uma avaliação mais profunda das habilidades adquiridas ao longo de toda esta etapa. A angústia dos que hoje estão no 2º ano também não é pouca, afinal, iniciaram sua trajetória nesta etapa já sob uma nova arquitetura curricular, mas acabaram de saber, no mês passado, que a prova de 2024 não mais espelhará, como anunciado em 2022, o novo formato do ensino médio.

A indefinição sobre o Enem reflete as incertezas sobre o novo ensino médio, já que ainda não sabemos qual a proposta que o MEC bancará ao fim do atual processo de revisão, e como será sua tramitação no Congresso. A necessidade de ao mesmo tempo garantir a previsibilidade do exame e sua aderência ao modelo definido para a etapa foram temas de um debate da XII reunião da Associação Brasileira de Avaliação Educacional, em que estavam tanto o presidente do Inep, Manoel Palácios, quanto o presidente do Consed (Conselho Nacional de Secretários de educação), Vitor de Ângelo.

Pelo que já foi divulgado, a tendência é que o MEC reduza as possibilidades de trajetórias curriculares distintas no ensino médio, mas mantendo ainda alguma possibilidade de escolha por “percursos de aprofundamento”, nome bonito e pomposo, mas que, na prática, são uma versão light dos itinerários formativos em vigor desde a reforma do governo Temer. A formação básica (comum a todos os estudantes), que foi reduzida pela Lei de 2017, terá provavelmente sua carga horária ampliada novamente.

Diante disso, há quem defenda que o Enem avalie apenas a parte de formação comum a todos no ensino médio, sob a justificativa de que isso amenizaria desigualdades. Outros entendem que, por ser um fortíssimo indutor do currículo, o exame precisa incorporar as mudanças previstas na legislação (o que significaria avaliar também “percursos de aprofundamento”), do contrário, as escolas priorizarão apenas aquilo que cai na prova.

As discussões mais urgentes sobre o que fazer com o exame, porém, não podem anular um debate mais amplo. Desde que se transformou, em 2009, na principal prova de seleção para o ensino superior, o Enem perdeu um caráter de avaliação mais básica para se aproximar do modelo conteudista dos exames vestibulares. Em plena era da inteligência artificial, alunos ainda são obrigados a decorar fórmulas para irem bem na prova. Se os profissionais mais destacados de diferentes áreas fizessem o teste, provavelmente receberiam uma nota baixa, pois já esqueceram tudo que não mais utilizam na vida real.

E há ainda um outro ponto pouco debatido no Brasil, mas já bastante mapeado nos Estados Unidos, onde estudos mostram que as notas no SAT (versão americana do Enem) são preditores piores do sucesso acadêmico no ensino superior do que as notas dadas pelos professores em sala de aula. No Brasil, a experiência de cotistas que entram com notas mais baixas, mas acabam igualados em termos de desempenho na graduação aos demais, são indicativos também de que o Enem é mais impreciso do que julgávamos para definir quem está mais apto a ser bem-sucedido na universidade.

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