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A implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente exige investimento público

Por Mayara Silva de Souza e Thaís Nascimento Dantas
Atualização:
Thais Dantas e Mayara Silva. Foto: Divulgação Alana

Neste sábado, 13 de julho de 2019, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal nº 8.069 de 1990, completou 29 anos. O ECA é uma lei fundamental para defesa e promoção dos direitos de crianças e adolescentes, sendo reconhecida e admirada internacionalmente como uma das legislações mais importantes e completas do mundo sobre a proteção de indivíduos de até 18 anos de idade.

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Alinhado ao artigo 227 da Constituição Federal, o Estatuto reconhece o peculiar estágio de desenvolvimento de crianças e adolescentes e estabelece o melhor interesse e proteção integral, bem como a absoluta prioridade dos direitos fundamentais assegurados a essa população. Ainda, garante que crianças e adolescentes devem estar em primeiro lugar em políticas, orçamento e serviços públicos.

Assim, o ECA é um avanço no marco civilizatório brasileiro. O principal avanço foi a transição da doutrina da situação irregular para a doutrina da proteção integral, momento em que crianças e adolescentes deixam de ser tratados como objetos de intervenção e passam a ser reconhecidos como sujeitos de direitos. Deste modo, o ECA confirma uma importante escolha política e social firmada no Artigo 227 da Constituição Federal de 1988: crianças e adolescentes são prioridade absoluta.

É necessário que todos nós incorporemos a lógica do ECA, que busca superar discriminações entre diferentes crianças e adolescentes, indica que assegurar direitos de crianças e adolescentes é cuidar da sociedade como um todo e estabelece que somos, todas e todos, responsáveis por tais direitos.

Embora os 29 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente devam ser comemorados por sua importância para infância e adolescência brasileiras, é preciso reconhecer que ainda há muito o que conquistar e exigir, para que tal lei não seja um documento sem efetividade. A cada 30 minutos, uma criança é morta no país, por dia uma criança é vítima de exploração sexual, 9 milhões vivem em extrema pobreza, 19 mil aguardam um futuro no cadastro de adoção, 29 mil adolescentes estão em restrição e privação de liberdade no sistema socioeducativo. É somente por meio de investimento social que será possível mudar tal cenário e efetivar as previsões do ECA.

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Extremamente preocupantes, portanto, os efeitos da política de austeridade econômica brasileira na infância e adolescência. A Emenda Constitucional nº 95, que instituiu o Novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, o chamado teto de gastos públicos. Como efeito, estudos projetam um aumento de 8,6% no índice de mortalidade infantil até 2030, pois deixarão de ser evitadas 124 mil internações e vinte mil mortes de crianças de até cinco anos. Não por acaso, o país teve um aumento em tal índice após mais de vinte anos de sucessivas quedas.

Estudos são uníssonos em apontar que crianças e adolescentes são, ao lado de outros grupos vulnerabilizados estrutural e socialmente, por motivos de raça, gênero e classe social, os que mais sofrem com políticas de austeridade econômica, o que é ainda mais preocupante se considerarmos que, no último ano, mais de dois milhões de brasileiros entraram para o contingente da pobreza - que já concentra 60% das crianças e adolescentes do país.

São preocupantes, também, os cortes em políticas públicas nas áreas de proteção social e educação, que têm impacto direto na infância e adolescência; bem como o contingenciamento de recursos, que extrapola a faixa dos milhões, da Secretaria Nacional dos Direitos de Crianças e Adolescentes e do Fundo Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - diretamente responsáveis pelo financiamento de políticas específicas na área.

No último ano, muita gente se chocou com declarações políticas que defendiam que o ECA deveria ser rasgado e jogado na latrina. Infelizmente, tal cenário não está tão distante de nossa realidade: a cada dia em que fechamos os olhos para violações, a cada ação governamental que deixa de colocar crianças e adolescentes em primeiro lugar, o Estatuto da Criança e do Adolescente é gravemente desrespeitado.

Não podemos aceitar que seja esse o nosso cotidiano e nosso modelo de país. Não foi esse o pacto que celebramos como nação, por meio da Constituição e do ECA. Se queremos reverter tantas violações e desigualdades a que crianças e adolescentes são submetidos, é preciso assegurar investimentos que cumpram a norma da prioridade absoluta - e, para isso, é preciso chamar o Estado, por meio de seus poderes executivo, legislativo e judiciário à responsabilidade.

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*Mayara Silva é advogada do programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana. Graduada pela Universidade São Judas Tadeu. Pós-graduanda em Gestão de Políticas Públicas no Insper e em Legislativo e Democracia no Brasil pela Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo. Foi conselheira do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo.

*Thais Dantas é advogada do programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana. Graduada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), pós-graduanda em Políticas Públicas para Igualdade na América Latina pelo Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso) e conselheira do Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).

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