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Colunistas convidados escrevem para a editoria de Opinião do GLOBO.

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Artigos escritos por colunistas convidados especialmente para O GLOBO.

*Por Caio Lo Bianco e João Paulo Prado

Depois de um ano marcado pelo aumento significativo nos ataques a escolas e pelo suicídio de crianças e adolescentes, foi sancionada a Lei da Criminalização do Bullying e do Cyberbullying. Na verdade, a amplitude dessa legislação vai além da tipificação desses eventos, introduzindo medidas essenciais de proteção à infância e à adolescência contra a violência.

No entanto, no que diz respeito à criação dos crimes de bullying e cyberbullying, a lei mais parece, em certo sentido, ter efeito midiático. Ela destaca um tema de alta relevância, gerando discussões necessárias, mas, do ponto de vista jurídico e pedagógico, apresenta falhas. Parece que o legislador não considerou que tais atos são predominantemente praticados por menores, que não podem ser sujeitos a condenações penais.

Os atos praticados por crianças e adolescentes têm consequências previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), não no Código Penal. Assim, a criação dos crimes de bullying e cyberbullying parece ser mais uma medida para chamar a atenção do que para abordar efetivamente o problema, dado que raros são os casos em que essas práticas são cometidas por maiores de idade.

Ademais, há a complexidade de identificar e delimitar o bullying, uma vez que, na escola, muitas vezes, o “agressor” também desempenha o papel de “vítima” ou vice-versa. Essa dualidade vítima/agressor pode contribuir para reforçar estereótipos e impor rótulos que aderem à pele dos alunos ao longo do tempo — como “garoto-problema” ou “menina agressora”.

Não negamos a importância de combater a violência nas escolas, mas a solução para o problema é complexa. Quem determinará se uma situação é bullying? Onde está o limite entre o bullying e as complexidades das relações humanas, que envolvem emoções como raiva, amor e ódio? A imposição de penalidades mais severas resolverá as transgressões e reduzirá a criminalidade?

Um componente crucial da lei é a exigência do Legislativo de que o Executivo se prepare melhor em relação a diferentes formas de violência. Isso inclui a criação de protocolos, envolvendo órgãos de segurança pública, saúde e a comunidade escolar, para estabelecer medidas de proteção. Nesse ponto, cabe lembrar que não há uma “fórmula mágica” para lidar com o bullying. Por isso é fundamental que esses protocolos incluam a escuta dos envolvidos na situação, reconhecendo que cada caso é único e requer uma abordagem individualizada.

Num cenário de aumento da violência, é importante que as instituições de ensino ofereçam, de forma intencional, espaços de escuta e de fala para a comunidade escolar. Ao conhecermos uns aos outros, compreendendo nossas vulnerabilidades e diferenças, as chances de recorrermos à violência são reduzidas. Precisamos pensar em maneiras de endereçarmos os conflitos naturais de uma escola por meio da linguagem e da palavra, evitando que resultem em episódios de agressão.

A noção de pacto social está cada vez mais distante das escolas, e é crucial lembrar que o problema da violência contra crianças e adolescentes não é isolado. A escola é sintoma de uma sociedade mais agressiva. Restabelecer os laços sociais não será possível pela judicialização e terceirização de conflitos e dilemas. É necessário um esforço coletivo para promover uma cultura de respeito nas instituições de ensino, visando à construção de um ambiente seguro para todos.

*Caio Lo Bianco é CEO e idealizador do Laboratório Inteligência de Vida, João Paulo Prado é vice-presidente do Grupo Salta Educação

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