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Opinião|A escola, o aluno e suas emoções no pós-pandemia

Assim como não se pode usar a pandemia como desculpa para as defasagens pedagógicas, seria irresponsável fingir que ela não existiu.

Atualização:

As escolas iniciaram neste mês o segundo semestre de 2022. Depois de vivenciarmos o retorno presencial ao estudo, pudemos ter certeza da importância da reaproximação entre os alunos, professores e funcionários. Mais do que nunca, ficou evidente que a função da escola ultrapassa o cumprimento dos objetivos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e que, para aprender, a criança e/ou jovem necessitam do outro para compartilhar experiências e compreender pontos de vista.

O impacto do distanciamento social sobre os estudantes no que se refere à condição da saúde mental foi bastante relevante ao longo dos meses mais rigorosos da pandemia da covid-19. É o que mostra uma pesquisa do Instituto Ayrton Senna feita em parceria com a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. O estudo, apresentado na Comissão de Educação do Senado Federal, revelou que 70% dos 642 mil estudantes ouvidos relataram depressão ou ansiedade e precisaram ser consultados no retorno ao ensino presencial. As informações são da Agência Senado.

Percebi esta condição na escola onde trabalho, à medida que ocorriam as aulas da disciplina que aborda especificamente as questões relacionadas ao desenvolvimento das habilidades socioemocionais, aplicada aos alunos tanto do ensino fundamental quanto da educação infantil. O propósito é ajudar esses alunos a reconhecer suas emoções e a falar sobre elas com colegas e professores.

No início do ano, refletimos sobre que tipo de alunos teríamos ao nosso lado. A questão central foi reaprender sobre como aconteceria essa interação. Em resumo, nossa intenção foi a de inserir na rotina da escola uma socialização significativa e consistente, afinal, depois de dois anos separados, a timidez e as questões relacionais falaram mais alto no reencontro. E é justamente nesta reintegração que estamos focados neste momento.

Afinal de contas, o retorno às atividades presenciais, por si só, não solucionou os problemas gerados pelo distanciamento da escola. Grande parte dos alunos retornaram com doenças mentais, sem contar os sentimentos aflorados, como a solidão e a tristeza.

Quando digo que é necessário falar o que estamos sentindo, antes disso é fundamental que a escola seja um espaço de acolhimento e que o estudante se sinta parte do grupo. É importante, ainda, lembrar que pessoas tristes não conseguem aprender. E a demanda dos compromissos pedagógicos acabou por gerar ansiedade e o medo de não dar conta. Sim, porque, ao mesmo tempo que não se pode utilizar o período pandêmico como uma constante desculpa para as defasagens pedagógicas, também seria uma irresponsabilidade fingir que ele nunca existiu.

Um exemplo claro sobre esta relação entre a saúde mental e a aprendizagem é que por muitos meses, na pandemia, os estudantes realizaram provas e trabalhos com consulta. Pois bem, desde janeiro o sistema avaliativo retomou a normalidade, mas uma reflexão precisa ser feita: este aluno aprendeu os conteúdos pré-requisitos da BNCC para ingressar no ano atual? Não sabemos, porque nem sempre os resultados das avaliações online puderam condizer com a realidade. É diferente do que ocorre no ensino presencial, em que, no caso de o estudante não conseguir desempenho satisfatório, diversas ações são realizadas, como o apoio pedagógico e trabalhos de recuperação.

No entanto, o sistema educacional brasileiro não foi em momento algum reestruturado pensando nessas necessidades, e sim partiu do pressuposto de que as aulas online conseguiram suprir as demandas pedagógicas. Então, esta criança que chegou à escola em 2022 ansiosa ou depressiva agora está lidando com o fato de que não consegue também acompanhar os conteúdos, porque, se, por exemplo, ficaram lacunas na Matemática básica, como esse aprendizado pode ocorrer com coerência? Simplesmente não ocorre. Por isso, afirmo a importância de realizar avaliações diagnósticas constantes na escola e compreender que o aluno precisa de apoio e observação para seguir em frente com suas aprendizagens.

Uma análise realizada pelo Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAEd/UFJF) mostrou que alunos do 5.º ano do ensino fundamental da rede estadual de ensino do Estado de São Paulo apresentaram queda de 19% na proficiência em Matemática, e de 13% em Língua Portuguesa, no início de 2021, em comparação com 2019, conforme dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Conclui-se que estes mesmos alunos estão numa regressão de dois anos de estudos.

A escola faz parte da vida do estudante durante boa parte do dia. Alguns chegam a passar nove horas dentro da instituição. Por isso é tão fundamental que a disciplina de Educação Socioemocional seja colocada no mesmo patamar que a Língua Portuguesa ou a Matemática. Olhar para o outro em sua integralidade e ajudá-lo a superar as questões que envolvem sua emancipação enquanto ser humano são também tarefas da escola.

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DIRETORA DA ESCOLA PEDRO APÓSTOLO

Opinião por Carolina Paschoal