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Pesquisador em Educação e doutor em Economia pela Universidade Vanderbilt (EUA), Claudio de Moura e Castro escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|A equação do MEC não fecha

É pena que desempenho do ministério esteja abaixo do seu potencial. Como um general que não comanda o seu exército, está perdendo a sua guerra

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O funcionamento do MEC é uma sinfonia de desencontros. Deveria cuidar do ensino básico e das suas escolas superiores. Mas não tem instrumentos para tal. Poderia tê-los, usando seus orçamentos e transferências de recursos. E não cumpre seu papel de liderar e pensar nos destinos da educação.

Espoca uma guerra. Imaginemos um general que, teoricamente, teria 27 divisões e 5 mil batalhões. Porém sua missão será inglória, caso ele não comande o seu exército, não mande na tropa, não financie e não escolha os coronéis e majores. Todos esses batalhões seriam independentes e operariam com vontade e regras próprias. Esse general não vai vencer a guerra.

O ministro da Educação, oficialmente, é responsável pelo ensino no País. Mas não opera nenhuma das 200 mil escolas públicas, nos 27 Estados. E tampouco tem instrumentos legais para mandar nelas, sejam estaduais ou municipais. De fato, não tem ferramentas para exercer seu comando. Tem a mesma eficácia do hipotético general.

É verdade, é dono de 68 universidades federais e 38 institutos de tecnologia, onde gasta 2/3 do seu orçamento. Teoricamente, mandaria neles. Mas prevalece a doutrina da liberdade de cátedra e da autonomia das universidades. Se o País precisa de mais engenheiros de IA e a universidade cria um curso de berimbau, o ministro nada pode fazer. Vejam a contradição: a sociedade confiou ao MEC o rumo e a gestão de suas universidades, pois são públicas. Mas são autônomas para inúmeras decisões, inclusive definir seus rumos! E pouco importa onde são gestados os orçamentos, de tão travados.

Algumas decisões ganham ao serem descentralizadas, outras perdem. O MEC centraliza quase tudo e não monitora os rumos das universidades. Melhor seria descentralizar todos os dinheiros e a operação. Em contrapartida, caberia a ele acertar rumos, definir orçamentos e cobrar resultados.

O assunto é delicado. O ministro Paulo Renato tentou isso. Havia feito o mesmo no sistema paulista, trazendo ganhos muito significativos. Ao tentar igual proeza no MEC, quase perdeu o emprego. Os reitores não queriam a responsabilidade e sabotaram suas tratativas.

Falta clareza nas políticas para o superior privado. E, neste assunto, os processos internos do MEC são discretamente controlados por uma velha burocracia, competente para fazer impor a sua vontade soberana. Lá viceja um pequeno tráfico de influências. Nos porões do MEC, ministro e secretários mandam pouco.

O MEC tem também órgãos vinculados, como o CNE, a Capes e o Inep. Em que pese serem importantes, são mais entidades em que seu poder é relativo. E tem o rico FNDE, de decisões opacas. Difícil saber o quanto manda nele o ministro. A formação de professores está desgovernada e as normas do MEC só fizeram piorar.

Numa ocasião, eu disse a Paulo Renato Souza que ministro da Educação não mandava. Coçou a cabeça, titubeou, mas prevaleceu a honestidade, admitindo que era verdade.

Porém o MEC teria alternativas para exercer seu poder.

Minimamente, cumpre a ele assegurar boas estatísticas, incluindo aí a avaliação. Avanços nesta linha foram feitos. Mas poderiam ter mais impacto no ensino se fossem mais bem usadas.

Antes de tudo, o MEC deveria ser um think-tank da educação. Da sua liderança intelectual deveriam nascer boas ideias e boas políticas. Lá se reuniriam as melhores cabeças, não importa de que orientações, para debater e mapear o futuro da educação. Lastimavelmente, vem fazendo o oposto, delegando a feitura dos seus planos a sindicatos docentes, infimamente preparados para a tarefa e transbordando de conflitos de interesse.

A jusante dessa vocação de liderança, um dos grandes papéis do ministro seria convencer a sociedade de que uma boa educação é essencial. Deveria assumir a tarefa de indutor, não de um gerente usurpado de suas funções. O MEC tem as armas. Pesquisas mostram que é, de longe, o maior abastecedor de notícias para os jornais. O que disser sai na mídia – inclusive as idiotices.

O MEC não banca financeiramente as escolas públicas do País, mas faz transferências substanciais (transporte escolar, merenda, livro didático, dinheiro direto nas escolas, bolsas etc.). Um uso inteligente dessas rubricas permitiria criar incentivos para que as escolas caminhem nas boas direções. Costuma-se dizer que o dinheiro move montanhas. Se os substanciais fundos transferidos às escolas forem condicionados, por exemplo, a avanços no aprendizado dos alunos, esse é um incentivo poderoso. É uma forma indireta de mandar. Algo começou nessa linha, mas ainda tropeça.

Todo orçamento contém, embutido, incentivos e desincentivos. No ensino superior, se não ganha mais quem matricula mais, há zero incentivos à expansão. E se a evasão não penaliza o orçamento, por que contê-la? Se não premia a qualidade, o que será dela? Pelo mundo afora, os ministérios se esgrimam com fórmulas complexas e imaginativas para embutir os estímulos certos nas regras orçamentárias. Aqui, passamos batido. Na prática, o orçamento deste ano está ancorado no do ano anterior e na inércia da gigantesca folha de pessoal. Os outros fundos são também inerciais.

É pena que o desempenho do MEC esteja abaixo do seu potencial, não cumprindo seu papel a contento. Como o general imaginário, está perdendo a sua guerra.

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PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO, É DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE VANDERBILT (EUA)

Opinião por Claudio de Moura Castro

Pesquisador em Educação e doutor em Economia pela Universidade Vanderbilt (EUA), Claudio de Moura e Castro escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

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