Justiça

A educação antirracista como um acalanto para nossas crianças

A lei de inclusão do estudo da História da África e a luta dos negros no Brasil está prestes a completar vinte anos de existência com muito caminho pela frente

(Créditos: EBC) Créditos: EBC
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No dia 18 de abril comemoramos o Dia Nacional do Livro Infantil. Referida data foi criada no ano de 2002 pela Lei nº 10.402, sendo escolhida por se tratar da data natalícia do escritor Monteiro Lobato.

Um ano depois, fruto da luta incansável do Movimento Negro pela educação, sobreveio ao nosso ordenamento jurídico a Lei nº 10.639/2003, que, alterando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, tornou obrigatória a inclusão do estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro à nossa história, com a inserção desses pontos na grade curricular do ensino fundamental e médio, em estabelecimentos públicos e particulares.

Essas duas legislações nos trazem importantes reflexões.

Sem adentrar na contribuição e no valor do acervo literário de Monteiro Lobato, sabemos que a obra do homenageado já foi objeto de denúncia e apreciação pelo Conselho Nacional de Educação –  CNE por conter trechos de cunho racista. Não é o momento de aprofundarmos o debate em relação a esse ponto, mas entendemos indispensável a leitura dos pareceres de brilhante relatoria de Nilma Lino Gomes sobre a provocação, que, dentre tantas orientações, reafirma a

responsabilidade dos sistemas de ensino e das escolas identificar a incidência de estereótipos e preconceitos garantindo aos estudantes e a comunidade uma leitura crítica destes de modo a se contrapor ao impacto do racismo na educação escolar. É também dever do poder público garantir o direito à informação sobre os contextos históricos, políticos e ideológicos de produção das obras literárias utilizadas nas escolas, por meio da contextualização crítica destas e de seus autores” (Parecer CNE/CEB nº 15/2010, aprovado em 10 de setembro de 2010, e Parecer CNE/CEB nº 6/2011, aprovado em 1º de junho de 2011).

Tais documentos, advindos de um órgão público oficial, constituem caminhos trilhados para a descolonização do pensamento e a superação do racismo no ambiente escolar. São a demonstração de que existem olhares racialmente críticos na sociedade brasileira, que não mais se contentam com explicações construídas para manutenção do racismo institucionalizado.

Qual a importância de retomarmos esses debates depois de 10 anos dos pareceres do CNE? Porque precisamos acompanhar e fiscalizar a efetiva aplicação da Lei nº 10.639/2003. Há pouco mais de um ano, esse importante instrumento para construção de uma educação antirracista completou a “maioridade” em sua vigência. Já temos pessoas adultas que nasceram, vivenciaram suas infâncias e adolescências, caminharam juntas com a citada legislação, mas, apesar dos avanços construídos notadamente com a produção intelectual de literatura negra, pouco usufruíram de sua potencialidade e verdadeira eficácia, principalmente no que tange à educação infantil, um dos locais de primeiro contato das crianças em sociedade, fora do seio familiar.

A primeira vez que li sobre como o racismo atinge as crianças negras desde a mais pequena idade foi no artigo de Sueli Carneiro, Racismo na educação infantil, publicado no ano 2000, ainda antes da promulgação das duas leis que hoje discutimos no presente diálogo. Na ocasião, a autora, analisando o livro de Eliane Cavaleiro, Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, discriminação e preconceito na educação infantil, cita exemplos estarrecedores de como as hierarquizações raciais ocorrem dentro do ambiente escolar infantil e os impactos de atos discriminatórios que fragilizam e hostilizam as crianças negras de forma cruel.

A entrada em vigor da Lei nº 10.639/2003 também é uma reafirmação de que não há espaço para omissão e silenciamento diante dessas práticas racistas.

Tenho me perguntado: o que nós juristas temos feito para a efetivação, por exemplo, das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, de relatoria da ilustre Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva? Dentro das nossas instituições estamos realmente compromissados com a fiscalização das políticas públicas educacionais antirracistas? Essas provocações devem construir atitudes.

Na minha função, como defensor público, carrego a obrigação de educar em direitos, o que inevitavelmente acompanha o dever de educar para as relações raciais, em todos os níveis de ensino, em especial no ambiente escolar público, principal local de acesso à educação das crianças negras. Isso faz parte do processo de difusão da cidadania e construção da democracia, no seu sentido mais plural e substantivo.

Além disso, a própria Constituição Federal prevê que não apenas nós, agentes estatais, como também a família e a sociedade, temos o dever de salvaguardar nossas crianças, com absoluta prioridade, de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, bem como garantir-lhes o direito à educação (art. 227, CF).

A previsão constitucional também está elencada em alguns artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente, cabendo a nós decidirmos se a nominada prioridade absoluta também alcançará os e as nossas amoras como constante acalanto – em alusão aos versos escritos por Emicida – e continuarmos trabalhando incansavelmente pela sua concretude.

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