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A educação ainda não engrenou

É preciso que o MEC assuma com mais intensidade seu papel de coordenador da política nacional do setor, construindo pontes

Por Mozart Neves Ramos*
Atualizado em 28 fev 2020, 10h04 - Publicado em 28 fev 2020, 06h00

Enquanto a economia começa a ser o grande carro-chefe do governo Bolsonaro, a área da educação ainda não engrenou. Para muitos, isso só vai acontecer quando o governo se esquecer das questões ideológicas e dos embates nas redes sociais e priorizar aquilo que importa para que o Brasil tenha, de fato, uma política efetiva nesse campo. E, para começar, nada melhor do que cuidar da alfabetização das nossas crianças aos 7 anos, como tão bem faz o Ceará. A boa notícia é que, na terça-feira 18, o Ministério da Educação lançou o programa Tempo de Aprender, que traz parte da inspiração cearense.

Mas é necessário ir além. O país precisa urgentemente criar mecanismos sólidos que atraiam os jovens para a carreira do magistério. No Brasil, diferentemente das nações que estão no topo da educação mundial, os jovens não querem ser professores, e isso é grave. Não existe país desenvolvido sem bons professores. Além de atrair talentos, é preciso formá-los com o olhar do século XXI. O Brasil carece de jovens docentes inspiradores, inovadores e mentores para uma nova geração de estudantes. Para isso, temos a recém-homologada Base Nacional Comum da Formação Docente, resultado de um importante trabalho que envolveu o Conselho Nacional de Educação (CNE), o Ministério e as secretarias de Educação, as universidades e diversos setores da sociedade civil. É preciso agora criar mecanismos indutores para implementar essa política, cuja responsabilidade direta é do MEC.

Sem bons professores, o país não dará conta da agenda da aprendizagem escolar. Estudos e pesquisas mostram que a qualidade do docente, entre os vários fatores que influem no processo de ensino e aprendizagem, é de longe o mais importante. Com exceção dos anos iniciais do ensino fundamental — etapa na qual o Brasil vem apresentando continuamente, desde 2003, melhoras na aprendizagem —, o país está literalmente estagnado nos seus anos finais e, sobretudo, no ensino médio. E num patamar muito baixo. Como exemplo, de cada 100 alunos que concluem o ensino médio, apenas nove aprenderam o que seria esperado em matemática; em língua portuguesa, esse número sobe para 29 — nada que se possa comemorar.

No caso do ensino médio, Pernambuco está revertendo essa situação com as escolas de tempo integral, cujo processo de implementação foi iniciado em 2004. Atualmente, é a rede pública de ensino médio com a maior taxa de escolas nessa modalidade. Como resultado, saiu da 22ª posição no ranking nacional da Prova do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) para as primeiras posições — além de ser o estado com a menor taxa de abandono escolar no ensino médio.

“O melhor ministro da Educação é aquele que será lembrado pelas crianças, e não aquele que tem mais seguidores no Twitter”

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Olhando os resultados de Ceará e Pernambuco, apenas como exemplo, o que o Brasil tem de fazer é aprender com o próprio Brasil. São dois estados nordestinos que vêm nos ensinando como é possível oferecer uma boa educação a nossas crianças e nossos jovens.

É preciso que o Ministério da Educação assuma com mais intensidade — e aqui quero ressaltar os esforços de suas secretarias, especialmente a da Educação Básica — seu papel de coordenador da política nacional da educação, construindo pontes importantes com estados, municípios e universidades. Nesse sentido, necessita urgentemente melhorar os mecanismos de avaliação do ensino, tanto no nível da educação básica quanto no da superior, a começar pelo Exame Nacional do Ensino Médio. O que deveria ter sido o “melhor Enem da história” virou um verdadeiro fiasco aos 45 minutos do segundo tempo! Isso foi uma consequência direta das constantes mudanças em funções estratégicas no órgão responsável pelo Enem. Ao longo de 2019, a rotatividade das cadeiras no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) foi significativa, de diretores ao presidente, sem contar as inúmeras demissões de técnicos de alta qualificação. É óbvio que isso prejudicou enormemente a organização e o planejamento das atividades. Por exemplo, a contratação da gráfica para rodar as provas do Enem foi feita de última hora. A pergunta que ainda está no ar é se o único fator para toda essa lambança foi uma questão de desalinhamento entre a cor da prova e a do cartão de resposta dos milhares de alunos. O MEC precisa deixar isso claro para toda a sociedade, especialmente para milhares de estudantes e seus familiares, de maneira que o Enem não perca sua credibilidade.

Outra questão urgente e preocupante, e que não está sendo bem encaminhada pelo Ministério da Educação, é o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), pela falta de uma adequada articulação política do MEC com o Congresso Nacional. Esse fundo é estratégico para o financiamento de toda a educação básica, da creche ao ensino médio. Sua temporalidade legal vence neste ano, e para renová-lo é preciso fazer uma emenda constitucional. Isso não é simples, principalmente em um ano curto como este, em razão das eleições municipais. Mas não apenas por esse motivo — não podemos esquecer que a pauta política do Congresso está repleta de outras prioridades do próprio governo federal, incluindo aqui as reformas tributária e administrativa. Isso pode pôr o Fundeb em risco, o que seria uma catástrofe para a educação brasileira, pois grande parte dos municípios brasileiros necessita dele para manter suas atividades educacionais.

No ensino superior, o MEC ainda não conseguiu agradar nem às universidades públicas nem às particulares. Para as primeiras, propôs o programa Future-se, visando a ampliar o financiamento dessas universidades. Trata-se de um portfólio de várias possibilidades de captação de recursos, mas recheado de muitas interrogações, inclusive quanto ao aspecto legal. O problema maior, no entanto, foi a ausência de uma agenda de confiança, que o MEC não construiu com os reitores, preferindo o enfrentamento ao diálogo. Com as particulares, o ministro da educação, Abraham Weintraub, em evento desse setor na cidade de São Paulo, foi direto: virem-se, não posso fazer nada por vocês.

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Por fim, se eu pudesse dar um conselho a Weintraub, e o faço com a humildade que a vida me ensinou, seria o seguinte: esqueça um pouco as redes sociais e coloque energia naquilo que pode mudar, e para melhor, a educação do país. O futuro de nossas crianças depende das nossas escolhas, e o senhor tem essa oportunidade. O melhor ministro da Educação é aquele que será lembrado pelas crianças, e não aquele que tem mais seguidores no Twitter ou no Instagram. Isso passa, mas a educação de boa qualidade, essa é eterna — e muda um país.

* Mozart Neves Ramos é titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto

Publicado em VEJA de 4 de março de 2020, edição nº 2676

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