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Opinião|A desafiadora etapa do ensino na pré-adolescência

Investir nos anos finais do fundamental significa construir bons alicerces e estimular um fluxo ativo para que o ensino médio seja acessível e de qualidade.

Atualização:

Quem acompanha o crescimento de uma criança sabe que uma das fases em que ocorre a maior transformação é a pré-adolescência, período entre os 11 anos e 14 anos. Grandes mudanças físicas, emocionais e comportamentais na passagem da infância para o início da puberdade desafiam todos – aqueles que passam por ela e também os que estão próximos, como família e amigos.

Neste contexto estão os estudantes dos anos finais do ensino fundamental – também conhecido por fundamental 2 e compreendido entre o 6.º e o 9.º anos. Essa etapa é uma das mais complexas da educação e precisa urgentemente ser priorizada nas políticas públicas em busca de soluções práticas: sim, assim mesmo, no plural, já que são muitas adolescências. São 12 milhões de estudantes, sendo 10 milhões na rede pública de ensino, de acordo com o mais recente Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Os desafios já começam na transição do 5.º para o 6.º ano. Há uma ruptura significativa quando estudantes deixam de ter vínculo com apenas um professor, geralmente um pedagogo, para se relacionar com diversos docentes especialistas. Além disso, é quando os alunos se transferem de escolas e, muitas vezes, da rede municipal para a estadual. Para que a transição ocorra com sucesso, recomenda-se construir um sentimento de pertencimento à nova fase.

Em Pojuca (BA), região metropolitana de Salvador, o colégio municipal Presidente Castelo Branco implementou uma tecnologia educacional com o objetivo de apoiar a transição. Foram mantidas as mesmas redes sociais e afetivas dos novos estudantes – realizando atividades de interação entre escolas e profissionais do ensino fundamental 1 e 2; e houve seleção de professores para o 6.º ano com experiência nos anos finais.

A tecnologia implementada no colégio baiano se transformou em política pública municipal. Tal iniciativa foi tema de um estudo coordenado pela pesquisadora Lys Maria Vinhaes Dantas (Universidade Federal da Bahia) e contemplado no Edital de Pesquisa Anos Finais do Ensino Fundamental: adolescências, qualidade e equidade na escola pública, promovido recentemente pelo Itaú Social e pela Fundação Carlos Chagas (FCC).

A experiência de Pojuca evidencia a necessidade de um olhar dedicado à atuação dos professores. Estudo divulgado pelo Dados para um Debate Democrático na Educação (D³e) em parceria com a FCC indica que 20% dos docentes dos anos finais no Brasil atuam em mais de uma escola e 45% dão aulas também para outras etapas. Em outros países (França, Japão e Estados Unidos) a proporção não passa de 5% e a contratação é em regime integral. Essa dedicação e um número menor de alunos e de turmas permitem que os professores assumam responsabilidades complementares, como coordenar uma área de conhecimento, um projeto interdisciplinar ou a mentoria de uma turma.

A defasagem idade-ano nos anos finais, ou seja, estudantes que repetiram dois anos ou mais, chegou a 22,7% (Inep 2020). Evidências têm mostrado que reprovação e repetência não melhoram a aprendizagem – ao contrário, tendem a desmotivar o estudante e levá-lo a abandonar a escola. Para reduzir essa defasagem, cabe à gestão escolar desenvolver um plano de trabalho que engaje os pré-adolescentes. Em Roraima, a Escola Estadual Indígena Júlio Pereira, localizada na comunidade Uiramutã, implementou o projeto Laboratórios Socionaturais Vivos como instrumento de melhoria pedagógica. Um exemplo de objeto de estudo é a captura da formiga tanajura – quando se verificam a construção histórica e a ciência biológica imbricadas nessa atividade e se busca a valorização da identidade e da cultura em que o estudante está inserido.

Essa iniciativa, também contemplada pelo Edital de Pesquisa, é uma parceria entre a Universidade Federal de Roraima e a Organização de Professores Indígenas de Roraima. Com amplo protagonismo dos estudantes e participação das famílias, ela se enraíza numa longa experiência de educação integral do nosso país, a partir da parceria entre escola e comunidade, e traz insumos sobre como o currículo pode estimular uma aprendizagem de fato profunda e significativa. Ações como esta podem ser viabilizadas também em conjunto com as Organizações da Sociedade Civil (OSCs), que cumprem papel fundamental de ampliar as oportunidades de aprendizado para crianças e adolescentes.

O fundamental 2 já era uma etapa repleta de desafios no Brasil e na maioria dos países do mundo, antes mesmo da pandemia. Estratégias de transição entre os anos iniciais e finais, fortalecimento da política de educação integral, olhar atento aos professores, maior protagonismo para estudantes e parcerias com as OSCs para o desenvolvimento de projetos são alternativas para alcançar melhores índices de aprendizagem e permanência. Investir nos anos finais do fundamental significa, também, construir bons alicerces e estimular um fluxo ativo para que a próxima etapa escolar – o ensino médio – seja acessível e de qualidade.

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