Cida Bento

Conselheira do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), é doutora em psicologia pela USP

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Cida Bento

A cultura do fracasso escolar

Pobres que chegarem às universidades federais verão prédios abandonados

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Neste período em que começamos a falar de reconstrução social, já que a vacinação da população contra a Covid-19, ainda que tímida, mostra resultados na diminuição de óbitos, é preciso focar a retomada dos vínculos com as universidades.

É urgente discutir políticas públicas que viabilizem o enfrentamento do impacto da pandemia na educação superior, bem como o sucateamento das universidades públicas, que já ocorria desde 2016.

Mudar o recado que se dá para a juventude pobre, periférica e negra, que, ao ingressar nas universidades públicas brasileiras, vem tornando-a mais plural. Sim, essa juventude pode chegar ao ensino superior, mas não irá encontrar nas universidades federais as ilhas de excelência que as caracterizavam, o espaço onde se concentravam esforços para ampliar o investimento científico.

Pelo contrário, vão se defrontar com prédios deteriorados, laboratórios à míngua, pela falta de investimento estatal. Ou pior, com universidades estigmatizadas como lugar de balbúrdia e drogados. Tudo sinaliza para um projeto político que visa retornar ao passado recente, quando educação superior era coisa exclusiva da "elite" brasileira.

Num governo que aposta no desmanche da ciência, da cultura e do pensamento crítico, a democratização da educação é obstaculizada e os gargalos que distanciam a população vulnerabilizada da almejada vida digna, via escolarização, ficam mais estreitos. É nesse cenário que surge a pergunta: "Para que ir à universidade?".

Faz pouco tempo, esta Folha informava que, segundo o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), em 2021 tivemos o menor número de inscritos para o Enem desde 2008, quando a prova não era usada ainda como porta de entrada para o ensino superior.

Essa desmotivação de nossa juventude vem agravada pela pandemia que afeta mais a população que teve menos condições de acesso aos meios necessários para tirar proveito do ensino a distância. Em 2020, mais de 1,8 milhão de alunos não possuíam equipamentos eletrônicos para estudar, e 6 milhões não tinham acesso à internet, segundo o Ipea. Outro estudo, do Instituto Unibanco e Porvir, revela que 40% dos jovens negros entre 15 e 17 anos não têm computador ou internet em casa.

Não é por acaso que reportagem desta semana do Jornal Nacional, tratando da redução do número de inscrições no Enem, apresentou entrevistados todos negros e negras.

O pesquisador Vinícius de Oliveira, do Observatório da Educação, assinala que a juventude negra com menos acesso a computadores e internet para acompanhar as aulas pode ter se sentido pouco motivada a prestar o Enem e a ingressar no ensino superior. O estudo indica ainda que 30% dos jovens negros não pretendem voltar à escola depois da pandemia.

O desafio que se coloca é como enfrentar a "cultura do fracasso escolar". Estudo da Unicef apontou que, em 2019, 2,1 milhões de estudantes foram reprovados no Brasil e mais de 620 mil abandonaram a escola.

É fundamental que façamos um esforço conjunto de governo, sociedade e comunidade escolar para conhecer, debater e enfrentar a "cultura do fracasso escolar". Ou o "projeto de fracasso escolar".

É preciso rever os currículos, a avaliação das aprendizagens e os cotidianos escolares, criando espaços inclusivos, nos quais todos tenham direito a trajetórias de sucesso escolar", diz Ítalo Dutra, chefe de Educação do Unicef no Brasil.

Reconstruir exige criar as condições políticas que tornem possível elaborar e implementar projetos que caminhem numa direção mais democrática. E isso certamente passa pela escolha que faremos na próxima eleição.

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