Por Rodrigo Pereira, G1 Campinas e Região


Dados do Censo Escolar de 2017 apontam que 81,2% das escolas da Região Metropolitana de Campinas (RMC) não possuem dependências acessíveis às pessoas com deficiência. Das 1.918 unidades de ensino particulares e públicas, 1.558 não são adaptadas, apesar disso estar previsto em decreto federal de 2004. Para o Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD), além da necessidade de mudança física nestes imóveis, é necessário mudar a cultura de tratamento da questão.

Os números mais atualizados, divulgados no dia 30 de janeiro, são próximos das estatísticas do Censo Escolar de 2016, quando eram 82,1% sem acessibilidade, e de 2015, quando eram 83,6%.

A desconfiança sobre o atendimento e acessibilidade nas escolas fez Rita de Fátima Pralom de Souza, 52, decidir não matricular sua filha, Maria Letícia, de 9 anos. A garota possui Síndrome de Edwards - doença rara devido a um cromossomo extra - e é cadeirante.

Maria Letícia e Rita: para a mãe, faltam políticas públicas — Foto: Rita de Fátima Pralom de Souza

Voluntária da associação Síndrome do Amor, ela chegou a inscrever a Maria Letícia em uma unidade para atendimento de crianças especiais, mas diz que não houve o acolhimento necessário.

"Ela era excluída, pois é cadeirante e tinha outras crianças que se locomovem e aí recebiam toda a atenção. Ela, mesmo sem 'falar a nossa língua', mostrava a insatisfação em estar lá", relatou.

Para ela, não basta haver apenas uma lei, mas também políticas públicas para fazer valer os direitos. “É necessário que as mudanças sejam feitas ouvindo quem as usam. Não adianta guias rebaixadas que estão em frente a uma calçada estreita e cheia de árvores. Não adianta uma escola com acessibilidade se não tiver uma AVE (assistente de vida escolar) treinada em primeiros socorros”, exemplificou.

"Não existe mudança do olhar da escola para um perfil de inclusão [...] É muito simples fazer uma acessibilidade em qualquer lugar e isso não acontece por causa dessa falta de consciência da sociedade, do estado [...] Hoje em dia é muito simples, a tecnologia resolveu tudo. Antigamente, para fazer tinha de fazer uma rampa enorme. Hoje, você coloca uma plataforma simplíssima", afirmou Teresa Costa d'Amaral, superintendente do IBDD.

Percentual de escolas com dependências acessíveis a pessoas com deficiência - Censo Escolar 2017
Fonte: Ministério da Educação

Segundo ela, as adaptações ocorrem mais por causa de pressões pessoais do que por uma cultura de mudança já instituída. Teresa relatou que são recorrentes casos em que crianças com deficiência não são aceitas por escolas, que acabam alegando que não têm vaga ou não são especializadas, reforçando que é algo vetado pela legislação.

"A pior situação é quando a escola aceita e não faz nada, porque aí a criança vai ficar totalmente excluída, num canto da escola [...] Em resumo, não existe meia inclusão", acrescentou.

Legislação

A superintendente do instituto orienta quem se deparar com situações de falta de estrutura a procurar a Justiça. "Nossa legislação abrange tudo. Tem de entrar na Justiça e exigir acessibilidade. É parte da vida do deficiente essa luta", pontuou.

O artigo 24 do Decreto 5.296, de 2004, deixa clara a obrigatoriedade:

"Os estabelecimentos de ensino de qualquer nível, etapa ou modalidade, públicos ou privados, proporcionarão condições de acesso e utilização de todos os seus ambientes ou compartimentos para pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, inclusive salas de aula, bibliotecas, auditórios, ginásios e instalações desportivas, laboratórios, áreas de lazer e sanitários".

Os prazos para adaptações a essa exigência já venceu. O mesmo artigo frisa que a adaptação deve ser fiscalizada pelo Poder Público para "concessão de autorização de funcionamento, de abertura ou renovação de curso".

Engenheiro Paulo Saran aponta que a complexidade de adaptação varia de prédio a prédio — Foto: Reprodução / EPTV

Estrutura

Engenheiro civil e presidente da Associação de Engenheiros e Arquitetos de Campinas, Paulo Saran afirma que há casos em que as criações de condição de acessibilidade são mais simples e, em outros casos, mais complexas.

"Tem escola que vai precisar instalar elevador, por exemplo, que é mais caro, tem escola que se for térreo não precisa ter elevador. Basta ter rampa", exemplificou.

TAC

A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo informou que das 377 escolas da Região Metropolitana de Campinas, cerca de 30% delas são adaptadas para pessoas com deficiência. A pasta explicou que firmou um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público para garantir acessibilidade na rede pública.

“Desde a assinatura do acordo foram investidos mais de R$ 214 milhões na adaptação das unidades escolares paulistas, em especial nas que possuem alunos com deficiência ou mobilidade reduzida. Os novos prédios já são edificados seguindo as normas de acessibilidade. A Secretaria destaca que foi pioneira na implantação da Educação Especial e conta com ferramentas de inclusão de alunos com deficiência, altas habilidades ou superdotação e com Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD)”, acrescentou.

O governo estadual destacou que desde 2013 a rede tem cuidadores, profissionais especializados para auxiliar os estudantes em todas as necessidades dentro do ambiente escolar. Ainda citou a existência de Salas de Recursos destinadas aos Atendimentos Pedagógicos Especializados (APE) e disponibilização de supervisores da Educação Especial nas diretorias regionais de ensino.

A Prefeitura de Americana comunicou que, gradativamente, providencia as mudanças necessárias conforme as escolas recebem alunos com deficiência. “Na rede municipal, apenas duas escolas de Ensino Fundamental não são consideradas devidamente acessíveis: uma delas possui dois andares e já tem a solicitação para a implantação de elevador (mesmo assim, os alunos com deficiência são atendidos e salas funcionam no piso térreo); e a outra que foi municipalizada em 2017, que necessita da construção de passarela ligando o pátio da escola até a quadra de esportes, beneficiando todos os alunos, embora o acesso seja possível. Nesse caso, já foi elaborado o projeto arquitetônico para sua execução”, detalhou.

O Executivo acrescentou que tem o apoio de profissionais especializados e dispõe de 20 salas de recursos multifuncionais que oferecem o Atendimento Educacional Especializado (AEE).

A Prefeitura de Jaguariúna informou que todos os novos projetos de unidades públicas de educação apresentam as normas de acessibilidade na rede municipal. “Os prédios mais antigos estão sendo adaptados com verba do PDDE/Estrutura/Acessibilidade – Programa Dinheiro Direto Escola/Mec, que já beneficiou 09 (nove unidades escolares do município)”, apontou.

A administração municipal diz também que possui equipe especializada e que o atendimento aos alunos é feito dentro da legislação. “O trabalho de adaptação das escolas ainda não acessíveis já começou e em breve todas estarão adaptadas para as pessoas com deficiência”, completou.

A Prefeitura de Campinas comunicou que, por intermédio do IMAP – Índice de Acessibilidade dos Próprios, implantado em 2014, acompanha o progresso das adequações para a acessibilidade física das unidades municipais. “O relatório de acompanhamento percentual do índice de acessibilidade das unidades educacionais de fevereiro de 2018, aponta que 61,21% das 45 Escolas Municipais de Ensino Fundamental (Emefs) são acessíveis. Em relação aos 149 Centros de Educação Infantil, há acessibilidade em 45,01% das unidades”, finalizou.

A Prefeitura de Indaiatuba afirmou que todas as novas escolas novas já são construídas acessíve e que, entre as existentes, falta adaptar apenas uma, com mais de dez anos. E ressaltou que a obra será realizada neste ano.

O Executivo de Vinhedo comunicou que realizou adequações de acessibilidade nas unidades de ensino em 2011, mas que encontrou dificuldades em prédios antigos. "Sendo assim, algumas adequações não puderam ser realizadas ou foram feitas dentro das possibilidades estruturais do prédio", pontuou.

O governo cita que possui também equipe especializada e atendimento multidisciplinar dos alunos com deficiência no contraturno escolar, por convênio.

Em nota, a Secretaria de Educação de Santa Bárbara d'Oeste informa que realiza adequações de acessibilidade. "Das 49 unidades escolares existentes na rede municipal, 70% já contam com acessibilidade que incluem banheiros para pessoas com necessidades especiais ou mobilidade reduzida, largura das portas, piso tátil, local de passagem dos alimentos ofertados aos estudantes e iluminação dos ambientes."

A Prefeitura de Nova Odessa afirmou que desde 2013 tem realizado um projeto voltado para melhorar a acessibilidade e sustentabilidade nas escolas que inclui instalações como rampas, corrimão e pisos especiais durante reformas e novas construções. "A Administração também tem projetos para reformar as outras unidades, garantindo acessibilidade em todas as escolas. Além disso, todos os alunos com necessidades são acompanhados por profissionais, inclusive em sala de aula", finalizou.

As demais prefeituras da região não emitiram posicionamento até a publicação desta reportagem.

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