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Por Rafael Vazquez — De São Paulo


Ana Ligia Scachettivai: na escola jovem enfrentará situações contra sua vontade — Foto: Divulgação
Ana Ligia Scachettivai: na escola jovem enfrentará situações contra sua vontade — Foto: Divulgação

A maioria dos professores e funcionários de escolas brasileiras está notando um aumento da violência dentro das escolas depois da pandemia e do período em que os alunos tiveram que estudar em casa. A conclusão parte de uma pesquisa feita pela ONG Nova Escola em parceria com o Instituto Ame Sua Mente.

De acordo com o levantamento, que ouviu 2.752 professores e profissionais de instituições de ensino públicas e privadas de todas as séries e regiões do Brasil, 72,2% afirmam ter notado um ambiente mais violento após o longo período de ensino remoto devido à crise sanitária. O conceito de violência neste caso envolve agressão física, psicológica, verbal, sexual e bullying, seja entre os estudantes, seja na relação com os funcionários das escolas. Há uma disparidade entre a rede pública e a privada, mas os números apontam um cenário desafiador para ambas e em todas as regiões.

Embora os atentados recentes em escolas possam ter contribuído em alguma medida para a percepção dos professores, os responsáveis pelo estudo apontam que os efeitos na saúde mental provocados pela pandemia e pelo longo período de ensino remoto são as principais causas, inclusive porque, no mesmo levantamento realizado no ano passado, 68% dos professores consultados já haviam notado aumento da violência no ambiente escolar.

“Aumentou pouco [a percepção] de um ano para o outro porque logo depois da retomada das aulas presenciais o índice já era alto. Isso significa que, no geral, o efeito pandemia foi mais importante do que esses eventos trágicos [de atentados]”, explica o médico psiquiatra e presidente do instituto Ame Sua Mente, Rodrigo Bressan.

Ele indica a incidência de dois fenômenos principais em torno do resultado. O primeiro se deve à alteração comportamental dos jovens que, durante a pandemia e as aulas virtuais, perderam a habilidade de assistir a aulas presenciais e fazer provas. “Assistir a aula não é natural para ninguém. Nós somos treinados para isso. Com a dinâmica mais frouxa do aprendizado remoto, os jovens ficaram desajustados e passaram a ter ansiedade diante da volta de obrigações como fazer uma prova, por exemplo.”

O outro fenômeno observado pelo psiquiatra é que jovens que já tinham algum tipo de transtorno mental e não recebiam tratamentos adequados tiveram seus casos agravados durante o período de isolamento social.

“Mais ou menos 14% dos jovens na idade escolar têm algum transtorno mental, sendo hiperatividade e ansiedade os mais prevalentes. Mas, de acordo com um outro estudo nosso do Ame Sua Mente, 80% dos que precisam não recebem tratamento - na maioria das vezes por preconceito dos pais quanto ao tema. Com muita frequência, esses casos foram agravados e criaram uma sensação de epidemia [de transtornos mentais]”, afirma Bressan.

O fato é que o cenário tem gerado mais dificuldades para os professores exercerem o trabalho diante da percepção de falta de segurança no ambiente escolar. Quando questionados especificamente sobre atos de agressividade de alunos contra professores, 66,4% afirmam que a situação piorou em relação ao pré-pandemia. E seis em cada dez educadores dizem temer pela própria segurança quando precisam repreender um aluno.

O tipo de agressão mais comum contra os professores, segundo o levantamento, é a verbal (76,1%), seguida pela psicológica e moral (41,5%). No entanto, 9% disseram que já foram agredidos fisicamente ao menos uma vez.

Nas relações tanto com os professores quanto entre os alunos, o tipo de violência mais comum também é a verbal (51,9%), de acordo com as respostas dos educadores, mas com incidência maior nas escolas públicas (55,5%) do que nas privadas (36,5%). Já a percepção de aumento da violência física no ambiente como um todo foi sentida por 49,5% dos professores, sendo que na rede pública o índice é de 46,2%, e nas privadas, 30,3%.

Professora de ciências no ensino fundamental da Escola Municipal Lourdes Ortiz, em Santos (SP), Katia Rua diz que nunca chegou a temer pela própria segurança, mas corrobora a percepção de que os alunos voltaram da pandemia mais agressivos tanto com os professores quanto com os colegas.

Ela nota que o principal transtorno observado em suas aulas é a ansiedade e cita como exemplo o caso recente de um aluno do sétimo ano que questionou a nota de uma prova. Insatisfeito com a explicação, amassou a folha e jogou na mesa da docente.

“Dou aula há 30 anos e não lembro de ter visto algo semelhante de um estudante de 12, 13 anos”, comenta Rua. “O pior é quando se agridem entre si por bobagens. Não acontece toda semana, mas está ocorrendo mais do que o normal”, acrescenta a professora, que adotou técnicas de relaxamento e diálogos nas aulas incentivando o aprendizado de habilidades socioemocionais. “Às vezes [a hostilidade] já começa quando precisamos tirar o celular para que possam acompanhar direito a aula. Então, início com uma sessão de relaxamento, inclusive com música, antes de partir para o conteúdo. Ainda não consigo dimensionar o quanto isso ajuda no rendimento escolar dos alunos, mas certamente melhorou muito o relacionamento dentro das aulas”.

A prática usada pela professora, contudo, ainda é pouco disseminada. De acordo com a mesma pesquisa, mais da metade (53,7%) dos educadores não recebeu formação para lidar com situações de violência nas escolas. Entre os que não receberam, nove entre dez sinalizaram que gostariam de ter recebido. Além disso, somente 26,5% disseram ter formação para desenvolver habilidades socioemocionais.

“É importante ter um olhar para isso [aprendizado de habilidades socioemocionais]. A escola, em muitos casos, é o primeiro ciclo social em que a criança vai conviver fora do núcleo familiar. É lá onde ela vai enfrentar situações que vão contra a vontade dela”, avalia a pedagoga e CEO da ONG Nova Escola, Ana Ligia Scachetti.

“Esse ensinamento pode ser passado em aulas específicas ou dentro de qualquer aula de português ou matemática. É interessante ter isso incorporado ao aprendizado como um todo, inclusive para a hora do recreio, quando os estudantes também estão exercitando habilidades socioemocionais”, acrescenta a especialista, ressaltando que a cultura precisa começar a fazer parte verticalmente do dia a dia das escolas, do diretor aos assistentes.

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