Saúde Coronavírus

São Paulo: 16% das escolas estaduais voltam às aulas, mas diferenças persistem

Enquanto parte dos alunos volta à escola nesta quarta-feira, maioria dos estudantes segue sem previsão de retorno
Volta às aulas no Colégio Bandeirantes, na capital paulista Foto: Edilson Dantas/Agência O GLOBO
Volta às aulas no Colégio Bandeirantes, na capital paulista Foto: Edilson Dantas/Agência O GLOBO

SÃO PAULO — Luiza* já sabe que terá aulas às segundas, quartas e sextas. Na primeira semana, vai estudar matemática, literatura e linguística, física, química e inglês. Sabe também que não vai mais dividir a carteira com um colega, como fazia antes da pandemia. Agora vai se sentar sozinha, obedecendo ao distanciamento de 1,5 metro para reduzir a chance de contágio. Foi orientada a levar seu álcool em gel, a não colocar a mochila no chão, a não tocar nos corrimões e a ir embora assim que terminarem as aulas, sem se aglomerar com os amigos.

O nome foi trocado para preservar a identidade da adolescente de 16 anos. Ela é estudante do 1º ano do Ensino Médio de uma escola particular da Zona Oeste da capital paulista e faz parte de um grupo ainda pequeno de alunos que vai voltar às aulas nesta quarta-feira, dia oficial do retorno presencial previsto pelo governo do estado de São Paulo. Com saudades do ambiente escolar, a jovem se diz "ansiosa" para voltar ao colégio, principalmente pela socialização.

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— Mandaram e-mail antes, perguntando quem tinha interesse em voltar, e depois mandaram os horários. Fizeram vídeos e explicaram tudo que devemos fazer, passaram segurança. Não sei se é o momento mais seguro, mas eu quero muito voltar. Sinto muita falta do ambiente escolar.

A realidade é diferente para o adolescente Gabriel*. Apesar de também ter 16 anos e ser aluno do 1º ano do Ensino Médio de uma escola técnica estadual no centro da capital paulista, o desejo de voltar à sala de aula ainda não tem data para se concretizar.

— O ensino à distância até que tem funcionado, para quem se interessa, mas a questão da retomada está bem confusa. Achei bem estranho não terem falado nada, até perguntei para a direção se voltaria, e eles falaram que não —  afirma. — Fiquei sabendo por outras pessoas que deveria ir quem não entregou trabalhos online. Mas nada oficializado, não passaram nada para os alunos. Esse assunto é só especulação.

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O receio, aponta Gabriel, é não conseguir acompanhar o conteúdo, e a defasagem interferir  no seu sonho de fazer faculdade e ser médico.

— Estou preocupado com essa situação das aulas, principalmente sobre repetir. Se eu repetir o ano, vou me abalar muito. Quero prestar vestibular, e tenho medo que, lá na frente, eu não tenha o conteúdo que preciso — diz o jovem.

Em coletiva de imprensa na tarde de hoje, o secretário de Educação, Rossieli Soares, se mostrou preocupado com possíveis desigualdades na educação pública e privada durante a pandemia, mas ressaltou que os cuidados no momento precisam ser voltados para a saúde mental dos alunos.

— Obviamente, a pandemia escancarou a visão que temos em relação à desigualdade. Ela já existia, mas a sociedade enxergou outros fatores. Nós precisamos combatê-la todo tempo. Quando estamos falando de acolhimento (nas escolas), desenvolvimento socioemocional e saúde mental, não estamos falando só de alunos de alta vulnerabilidade econômica e social, mas de alunos classe média alta, que também têm sofrido uma série de angústias e tristezas. A OMS tem alertado e colocou o tema como prioridade para escolas nesse momento — destacou o secretário.

Em nota, o Centro de Paula Souza, administrador das Etecs e Fatecs, informou que as aulas presenciais não retornam hoje. A data prevista é final de outubro. Afirmou, ainda, que a instituição já definiu os protocolos que serão adotados na retomada e que seguirá recomendações do Centro de Contingência sobre o coronavírus em São Paulo.

Aluno nos corredores da Escola Estadual Milton da Silva Rodrigues, na Zona Norte de São Paulo; 16% das escolas estaduais voltaram às aulas no estado. Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Aluno nos corredores da Escola Estadual Milton da Silva Rodrigues, na Zona Norte de São Paulo; 16% das escolas estaduais voltaram às aulas no estado. Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

Estado retornará com 16% das escolas

Segundo Rossieli Soares, 904 escolas estaduais voltaram às aulas hoje, sendo 304 na capital. Ao todo, há 5,5 mil escolas em SP, 1.086 delas na capital. Na rede municipal de ensino, apenas um colégio dos 4 mil comunicou que faria a volta nesta quarta, o Centro de Educação Infantil (CEI) Penha Bom Jesus, que abriu para 17 alunos.

—  Mais de 200 mil alunos passaram pelas escolas no primeiro dia. É um número expressivo, com atividades que começam vagarosamente. Não abrimos mão de segurança, então é opcional para a família e para a escola. Temos certeza que com o tempo teremos mais confiança. Neste momento, o foco é na vulnerabilidade social e educacional, para aqueles que mais precisam terem acolhimento emocional e reforço escolar — afirmou Soares.


De acordo com a pasta, a decisão de retomar o ensino presencial por enquanto cabe à própria escola, que tem autonomia para conversar sobre o assunto com a comunidade. No momento, as atividades devem funcionar de forma híbrida, misturando ensino à distância e presencial nas escolas que preferirem abrir.

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Nesse primeiro momento, está autorizada a volta opcional para alunos do ensino médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA), com 20% da capacidade. As redes particular e municipal podem funcionar com 35% dos alunos por dia em atividades presenciais. O ensino fundamental está previsto para 3 de novembro.

A reportagem esteve em uma escola particular e em uma pública para acompanhar o retorno dos alunos no primeiro dia de aula. Tanto no Colégio Bandeirantes quanto na Escola Estadual Milton da Silva Rodrigues não houve registro de aglomeração entre os estudantes. Ambas tinham pouca quantidade de alunos.

A ainda baixa adesão coincide com uma percepção de apoio tímido até agora à reabertura de escolas em São Paulo. Pesquisa Datafolha realizada nos dias 21 e 22 de setembro indicou que três em cada quatro eleitores da capital paulista (75%) acham que as escolas deveriam permanecer fechadas nos próximos dois meses. A receptividade é maior nas famílias com renda mais alta. Entre as famílias que ganham até dois salários mínimos (R$2.090), 77% opinam que as escolas deveriam continuar fechadas nos próximos dois meses. Já entre as que têm renda mensal de mais de 10 salários mínimos (R$ 10.450), esse número cai para 56%.

Espaço entre carteiras foi aumentado, e uso da máscara é obrigatório no retorno às aulas presenciais em SP; na foto, alunos da Escola Estadual Milton da Silva Rodrigues na Zona Norte . Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Espaço entre carteiras foi aumentado, e uso da máscara é obrigatório no retorno às aulas presenciais em SP; na foto, alunos da Escola Estadual Milton da Silva Rodrigues na Zona Norte . Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

Incerteza sobre número de particulares

Na rede privada, há indefinição sobre o número de escolas que retomarão as aulas presenciais, e de que maneira. O retorno tem se organizado de maneira descentralizada. Segundo o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do estado de São Paulo (SIEESP), não há um registro unificado de quantas escolas particulares vão aderir à volta autorizada pelo governo.

E, mesmo entre os colégios particulares, as condições variam. Algumas escolas de ponta chegaram a contratar assessoria de hospitais de excelência para elaborar protocolos de segurança, e investiram em novidades tecnológicas para a volta às aulas.

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O Colégio Bandeirantes, por exemplo, afirma que vai disponibilizar aos alunos um kit com camiseta e máscara com uma tecnologia de proteção contra bactérias e vírus, incluindo o Sars-Cov-2, responsável pela infecção da Covid. A escola teve o apoio do Hospital Sírio-Libanês para elaborar as ações de segurança, que incluem divisão de turmas, maior ventilação e espaçamento entre carteiras.

Adequações parecidas foram adotadas pelo colégio Etapa, que vai adotar controle de temperatura, marcação de lugares, espaçamento mínimo em filas e aumento do distanciamento entre as carteiras e os alunos na volta às aulas. No colégio Porto Seguro, que teve assessoria do Hospital Albert Einstein, as salas foram equipadas com câmeras e projetores para que os alunos que estiverem presencialmente possam interagir com os colegas que estiverem de forma remota. O retorno não é obrigatório. Mas quem decidir ir presencialmente, segundo a escola, terá atividades como rodas de conversa e leitura, acolhimento sócio emocional, atividades esportivas, de música, alemão, entre outras.

Já a Escola Castanheiras resolveu criar "rotas" específicas para diferentes níveis de ensino. Três faixas coloridas foram aplicadas em toda a área escolar, do portão de entrada até a porta da sala. Cada segmento (Ensino Médio, Ensino Fundamental 1 e Ensino Fundamental 2), explica a escola, deve transitar por uma cor, para evitar aglomerações.

Essa variedade de medidas, porém, ainda está longe de refletir o cenário da maioria das escolas, mesmo da própria rede privada.

— Medidas assim ainda são minoria. Há muitas escolas privadas de bairro que muitas vezes estão instaladas em prédios até menores que os das escolas públicas, e que não estão preparadas para voltar. E no Brasil não temos as mesmas condições de outros países, como a Alemanha, que abriram as escolas e depois fecharam quando os casos voltaram a subir — afirma Fernando Cássio, professor de políticas educacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC).

Professor do Ensino Médio em uma escola de médio porte em uma cidade a menos de uma hora de São Paulo, Fábio (nome trocado a pedido do docente) ainda não sabe quantos alunos vai encontrar nesta quarta. Desde o início da pandemia, as aulas têm sido on-line.

— Agora, na volta, o que vemos é incerteza. Foram meses de praticamente esperar toda semana o governador ir na coletiva e falar o que aconteceria. As coisas foram mudando. Há pouco tempo, veio um protocolo, sem que os professores fossem consultados. Não sabemos quantos alunos estarão presentes. Sabemos que haverá aula presencial e transmitida on-line. E não tivemos nenhuma testagem (para Covid-19). Não há razão para retornar nessas condições — questiona.

Um dos temores é o respeito às regras de segurança, por parte dos alunos e também dos próprios funcionários.

— As áreas de circulação já estão demarcadas, mas os próprios funcionários muitas vezes não seguem. Como crianças e adolescentes vão cumprir? — questiona. — O sentimento é de roleta russa. Qualquer um pode ser contaminado.

* Nomes trocados para preservar a identidade dos adolescentes

Sociedade 07.10 08h45