10 anos na trilha do debate e da evolução do ensino híbrido - PORVIR
Crédito: Porvir

Inovações em Educação

10 anos na trilha do debate e da evolução do ensino híbrido

Da teoria às práticas, veja como a cobertura do Porvir acompanhou a evolução do debate no Brasil sobre a melhor maneira de flexibilizar a aprendizagem e combinar momentos online e offline

por Vinícius de Oliveira ilustração relógio 21 de setembro de 2022

A pandemia de Covid-19 fez com que educadores e gestores buscassem informações sobre ensino híbrido como jamais havia acontecido – ao menos na internet brasileira. O pico aconteceu no início do ano letivo de 2022, segundo dados do Google Trends, plataforma que identifica os termos mais inseridos no buscador, num momento em que escolas se viram diante da necessidade de atender estudantes que ora estavam em casa, ora acompanhando aulas de maneira presencial. Entender as dificuldades do modelo híbrido durante a pandemia merece um olhar mais amplo sobre esse debate ao longo dos últimos anos.

Aqui no Porvir, a busca por encontrar uma alternativa ao modelo tradicional de ensino vem de longa data. Afinal, como registramos em nosso Guia Personalização do Ensino – Educação sob Medida, lá em 2014, “numa classe com 25 alunos, os professores precisam lidar com 25 interesses, 25 talentos e 25 necessidades de aprendizagem diferentes”. Ainda hoje isso está longe de ser uma tarefa fácil. Por que não flexibilizar a maneira de ensinar que trata todos como iguais? Desde aquele momento, o ensino híbrido era apontado como uma das alternativas.

Foi também sobre ensino híbrido que tratou uma entrevista que publicamos com Michael Horn, consultor em educação, autor de diversos livros e um dos fundadores do Clayton Christensen Institute, nos Estados Unidos. Antes de participar da edição de 2014 do Transformar Educação, evento realizado pelo Porvir, Instituto Inspirare (ONG que tinha o Porvir como um de seus programas), Fundação Lemann e Instituto Península, Michael mostrava entusiasmo ao falar das possibilidades de individualizar a aprendizagem.

“O ensino híbrido abre espaço para trabalhos em equipe de forma como nunca havia sido possível, abre espaço para o pensamento crítico. As pessoas passam a dominar os assuntos a partir de aulas virtuais e aprofundam esse conhecimento com seus professores com perguntas importantes”, disse o especialista. Elereforçava ainda que, quando o ensino híbrido é bem feito, o estudante é dono do próprio aprendizado.

O próprio guia do Porvir mostra que, para que se alcance a personalização de forma efetiva, toda uma engrenagem precisa estar em funcionamento. O problema: na realidade brasileira, as rodas andam em ritmo desigual. Falta formação de professores para a prática e que traga intencionalidade pedagógica para a adoção de tecnologia nas escolas, bem como clareza sobre a centralidade do estudante no processo de aprendizagem. Além disso, a infraestrutura das escolas também é uma barreira, com velocidades que não permitem a muitas turmas Brasil afora acessar conteúdos de forma simultânea. 

Mas isso quer dizer que as circunstâncias das salas de aula de educação básica no Brasil inviabilizam toda e qualquer experiência de ensino híbrido? O Guia Tecnologia na Educação, que teve mais de 80 entrevistados em diversos setores da educação, entre empresas, escolas públicas e privadas, bem como especialistas no Brasil e no exterior, mostra que é possível iniciar um trabalho de base, caminhar aos poucos e obter resultados que inicialmente só parecem possíveis na literatura.

Professor mediador

Em agosto de 2015, o Porvir visitou a Escola Municipal Emílio Carlos, no Rio de Janeiro (RJ), onde o professor Eric Rodrigues mostrou como tornou a aula de história mais flexível com a abordagem de ensino híbrido.

Dificuldades de conectividade eram conhecidas e presentes, mas foi interessante perceber como estudantes tinham um plano individual de estudos e passavam por atividades diferentes ao longo dos 50 minutos de aula, na qual Eric, na maior parte do tempo, realizava atendimentos individuais e checagem do que acontecia nos grupos. O vídeo abaixo mostra o que acontecia dentro daquela sala de 9°ano.

“Essa possibilidade de personalizar o ensino é uma experiência completamente diferente, que só é viável por você ter a tecnologia como um mecanismo para se colocar como professor mediador”, disse o professor Eric ao Porvir naquela ocasião.

E aceitar esse papel de mediação é algo que leva tempo, porque o sistema ainda cobra do professor o tradicional, com tempos e avaliações igualmente tradicionais. Em uma sondagem realizada pelo Cleyton Christensen Institute em 2018 com educadores no Brasil, que contou com apoio do Porvir para a produção do relatório “Blended Beyond Borders: A scan of blended learning obstacles and opportunities in Brazil, Malaysia, & South Africa” (“Híbrido sem fronteiras: uma análise dos obstáculos e oportunidades para o ensino híbrido no Brasil, Malásia e África do Sul”), a formação docente para ensino híbrido ficou à frente das questões de conectividade, o que surpreendeu até mesmo os pesquisadores. Naquele momento, a maior parte dos docentes dizia usar a tecnologia em suas aulas, porém, uma análise mais precisa mostrou que isso era feito para enriquecer momentos específicos e como uma estratégia na qual momentos online e offline estavam integrados.

Para que isso seja possível, no entanto, redes e escolas precisam ter um plano e oferecer melhores condições de trabalho para professores, defende o pesquisador, professor e mentor José Moran. Em artigo publicado no blog Educação Transformadora e também aqui no Porvir, em 2021, ele faz uma avaliação do que significa mudar o papel do professor.

Na aprendizagem híbrida, diz o pesquisador, os professores concentram sua energia no desenho de atividades significativas, (designers) para o desenvolvimento de competências; na curadoria de materiais significativos; na tutoria e acompanhamento individual, dos diferentes grupos e da classe nos espaços presenciais e digitais, síncronos e assíncronos e na ampliação das formas de avaliação dos estudantes. Esse planejamento é mais complexo se vários docentes desenham, acompanham e avaliam, juntos, projetos e atividades integradores de diversas áreas de conhecimento (projetos STEAM – sigla em inglês para a abordagem que combina o ensino de ciências, tecnologia, engenharia, arte e matemática –, por exemplo).

Nesse debate também entra a realidade do professor brasileiro. José Moran lembra que muitos docentes também não se encontram em condições profissionais ideais para planejar e desenvolver modelos híbridos interessantes: trabalham em mais de uma escola ou sistema de ensino, dão muitas classes, têm muitos alunos e isso dificulta sobremaneira a realização de um bom trabalho. “Sem condições objetivas, é heroico pedir que os docentes sejam inovadores”, ressalta.

Aluno escreve enquanto acompanha videoaula no celular
Crédito: Divulgação/MCTIC Ensino híbrido é uma abordagem que precisa ir além da mera reprodução de aulas presenciais
Crédito: Divulgação/MCTIC

A pandemia e os sinais de mudança

E, em 2020, veio a pandemia. Diante de uma situação inimaginável na carreira, professores tiveram que se desdobrar para um modelo de aula totalmente online, quando a conexão de internet permitia. Em uma jornada exaustiva e em meio a todos os traumas provocados pela Covid-19, as dificuldades para planejar aula e acompanhar a aprendizagem eram comuns.

Michael Horn, o especialista mencionado acima, descreve assim o que aconteceu: “Antes da Covid-19, o ensino híbrido era uma estratégia para personalizar a aprendizagem para cada estudante e criar uma experiência de tutoria para todos na escola”. Essa situação mudou quando a pandemia interrompeu as aulas. “Infelizmente, a maior parte das escolas não adotou (o ensino híbrido) para personalizar a aprendizagem, mas somente para replicar o pior do que acontece em um modelo de sala de aula tradicional”, disse.

Infelizmente, a maior parte das escolas não adotou (o ensino híbrido) para personalizar a aprendizagem, mas somente para replicar o pior do que acontece em um modelo de sala de aula tradicional

Como quem acompanhou por anos as discussões na Bett Brasil, evento de educação e de tecnologia onde era diretora de conteúdo, Vera Cabral, que hoje ocupa o posto de diretora de desenvolvimento em educação na Microsoft Brasil e América Latina ressalta que, durante a pandemia, houve uma confusão sobre que significa ensino híbrido e remoto, o que levou a situações como aquelas descritas no parágrafo anterior. Em casos mais graves, sem flexibilidade alguma, aulas “híbridas” nada mais eram que uma transmissão online, por uma plataforma de conferência, daquilo que acontecia em sala de aula física.

“As consequências que eu vejo disso, em só colocar na tela o que você fazia presencialmente, explicitou para os pais o que é uma aula e quais são as deficiências que a gente tem dentro do modelo escolar de hoje, que não funciona”, disse Vera. 

Apesar de todos os problemas decorrentes desse descompasso e o modo emergencial no qual a escola funcionou (principalmente nos anos letivos de 2020 e 2021), Michael considera algo positivo. “A boa notícia é que a tecnologia se disseminou mais Agora as ferramentas e as bases estão prontas para redirecionar o uso de ensino híbrido para melhorar a aprendizagem de todos os estudantes”. 

Ana Maria Menezes, diretora de conteúdo e formações na Kanttum, empresa que oferece formação continuada apoiada em tecnologia para professores, lideranças escolares e empresas com processos de mentoria, diz que é preciso uma aproximação entre professores e gestão escolar para que se entenda como o ensino híbrido pode beneficiar a aprendizagem. “Vejo muitos educadores que antes se interessavam em estudar sobre o ensino híbrido, agora buscando compreender melhor sobre metodologias ativas. Esse também é um caminho para convencer os professores do real valor da tecnologia digital para a aprendizagem e compreender a conexão das tecnologias com as metodologias ativas”, acredita.

“Ao permitirem o uso de dispositivos móveis e digitais em sala de aula e abrirem mão de ser o distribuidor principal de informações, os professores estarão propiciando o desenvolvimento de várias competências valorosas, como a autonomia, colaboração e letramento digital de vivenciar o mundo digital com destreza e responsabilidade e a cidadania em um mundo que está cada vez mais conectado”, complementa Ana Maria.

Vera, da Microsoft, avalia que a experiência de ensino durante a pandemia deu a gestores educacionais uma disposição “mais institucionalizada”, que deixa menos ou unicamente sob a responsabilidade de professores a transformação de métodos e práticas. “A vontade deles (gestores públicos) de poder contar com apoio para fazer coisas diferentes e contar com apoio de recursos de tecnologia é bastante grande.”

Mais recentemente, na metade de 2022, uma nova camada sobre o que tem sido pensado e praticado em relação ao ensino híbrido (ou melhor, à aprendizagem híbrida no Brasil) foi delineada com a publicação do estudo “Aprendizagem Híbrida? Orientações para regulamentação e adoção com qualidade, equidade e inclusão”. O levantamento foi produzido a partir de uma colaboração entre D³e (Dados para um Debate Democrático), o TLTL (Transformative Learning Technologies Lab) da Universidade de Columbia (Estados Unidos), a Fundação Telefônica e o Lemann Center for Entrepreneurship and Educational Innovation in Brazil, da Universidade de Stanford (Estados Unidos).

Uma das mensagens mais fortes do estudo é situar a aprendizagem híbrida nos processos que acontecem além da sala de aula. Dar conta de todos os desafios de infraestrutura e formação depende de investimentos e de políticas públicas, assinalam os pesquisadores. Com isso, pode-se vislumbrar que professores e alunos tenham em mãos elementos básicos, como computador e conexão à internet permanente, para o desenvolvimento de tarefas significativas apoiados em tecnologia e não sejam mais uma vez prejudicados pela desigualdade que gritou quando a escola parou e ainda tem tentado se recuperar desde que reabriu suas portas.


Como parte das atividades de celebração aos 10 anos do Porvir, a mostra interativa e multimídia “Encontro com o Porvir: trajetória de educadores que transformam o presente e constroem o futuro” é realizada até 3 de fevereiro, no Museu Catavento – instituição da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo, localizado na região central de São Paulo (SP). Além das 148 contribuições recebidas em uma campanha de financiamento coletivo, somam-se aos parceiros e apoiadores oficiais do projeto: Camino School, Faber-Castell, FTD Educação, Fundação Educar, Instituto Ayrton Senna e Red Balloon.

Régua de logos da exposição Encontro com o Porvir

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aprendizagem baseada em projetos, conectividade, ensino fundamental, ensino híbrido, ensino médio, ​​Porvir em 10 anos, tecnologia

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